sábado, 7 de dezembro de 2013

Longe

Olha bem a tua casa.
Abre o armário, limpa a estante.
Levanta a saia do sofá.

Olha, olha bem a tua casa.
No arranhado rodapé,
o tapete fora do lugar
ou no pote bem lacrado de café.

Olha, olha bem a tua casa.
Em um canto qualquer
eu vou estar.

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Onishiroi Shonin

sábado, 30 de novembro de 2013

Miguel Ângelo

Eu fico olhando a folha
branca, por nada ter.
Nela conto as letras que
cabem, como blocos,
que na pedra o escultor
encaixa.

Ele fica olhando a pedra,
cinza, branca ou multicor.
Retira dela tudo,
tudo aquilo que não é
o que quer.

Eu fico olhando a folha
branca, cinza ou qualquer-cor.
Lhe toco gentil e pergunto:
"que poema, quer aqui viver?"

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Onishiroi Shonin

domingo, 17 de novembro de 2013

Blosh

Vi em profecia
as chamas
dos novos tempos.

Ruminei a visão.

Vi o fim, e somente
uma forma
de evitá-lo.

Não usei palavra.

De forma simples,
direta,
fiz na calçada
arte abstrata.

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Onishiroi Shonin

domingo, 10 de novembro de 2013

Preto no branco

As palavras, pobres,
diretas e simples.
Retas, nem sequer
pintadas.

Riscos secos, retos.
Indiferentes à estória,
ao conteúdo, significado.
Pontos de contraste.

Frios, calados. Sem
valor, por si. Código
e valor de quem os vê.
Busca neles algo,

seu criador e mestre;
seu servo e criado;
seu leitor e escritor.
E eles continuam calados.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A dama de negro

Uma dama de negro
me estendeu as mãos,
tentando me tirar do vale
de trevas de meu coração,
(ironia...)
mas cego que estava
não vi sua intenção.
Ela clamou meu nome
através da escuridão
Mas surdo que era (e sou)
não ouvi sua canção.

Uma dama de negro
me estendeu as mãos.
Uma última oferta
de salvação...
e eu,
(estúpido que era)
(e sou)
não vi.

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Onishiroi Shonin

domingo, 27 de outubro de 2013

Ao topo cheguei

No topo, finalmente,
parei. Espada em punho
manchada e dentada.

A capa rasgada ao vento,
o rosto quente e húmido.

Vi o sol claro, o horizonte
infinito, o mundo, meu.
No topo, finalmente,
fiquei feliz. Herói,
contudo, não fui.

Meu prazer se deu,
tão simplesmente,
de olhar para baixo
e ver os que não chegaram.

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Onishiroi Shonin

Domingo

Andava pela rua,
bem normal. Nem
quente nem frio,
apesar do sol,
amarelo, branco e azul.

O andar pensa,
muito lembra,
pouco vê. Tudo,
tudo mesmo, sempre
sempre é igual.

As esquinas, concreto,
árvores, números, moedas.
Um barulho que vira ritmo.
Música instrumental.

Mas no meio da rua -
fechada do domingo -
uma menina pulava
abismos amarelos de giz.

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Onishiroi Shonin

Olhos

Olhou a amada.
Viu-a líquida,
em lágrima.

Olhou a amada,
meio desfocada,
fraca.

Olhou a amada.
Pobre tolo.

Via apenas na janela
a chuva, as trevas
e um reflexo que o ignorava.

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Onishiroi Shonin

sábado, 12 de outubro de 2013

Cloudy

It was a day, beauty
as beautyfull could be.
Sunny to the ones
looking straight.

It was day, beauty
as beautyfull could one see.
Warm, yellow and red,
and white, white, white.

One missed the blue
and looked up.
Saw snowwhite princess
all over the sun.

Then an apple fell.
The sky raged in fury
and a witchcrafted storm
washed the beauty away.

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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A flor



Ela arrancou as pétalas.
Não foi uma a uma,
nem de perto. Foi
rápido, cruel, difícil.

Não foi por serem
não-belas. Nem por serem
cruéis. Ou falsas.
Somente as arrancou.

As arrancou sem ver
que era flor que era.
Amassou, fora jogou.
Simples, bruta.

Ela arrancou as pétalas.
Não por ser rosa. Por
ter espinhos. Espinhos
que queria me dar,
sem pétalas.

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Onishiroi Shonin

sábado, 3 de agosto de 2013

Amei.

Amei e prometi a lua.
Pobre lua, inocente,
perdida em uma cartada
fraca, na mesa oculta.

Amei e prometi estrelas.
Uma, duas, muitas vezes.
Constelações inteiras,
até o céu tornar-se pouco.

Amei e prometi.
Sou um homem de palavra.
Aprendi.

Amei. Nada prometi.
Nada fiz, nada cobrei.
Finalmente, fui feliz.

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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Escritório

E choveu e choveu
choveu sem parar.
Choveu noite e dia,
a semana, todo dia.

E me vi preso
entre janelas. Fechadas,
de vidro opaco.
Sempre frio.

Olhei o horizonte,
vi fumaça. Luzes
perdidas na escuridão.

Chovia e chovia e chovia.
Só choveu. Sentei.
Nem uma gota caiu em mim.

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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Lágrima

E mais uma vez choveu.
Chuva névoa, garoa,
tela d'água no mundo.

Chuva que só se vê
pela falta de visão,
que não se prevê.

Chuva que não cai,
perdura no ar.
Esfria sem molhar.

Chuva. Que não deixa
marca, estrago, água.
Chuva que não lava.

Pois é, assim era.
Mais uma vez choveu.

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Onishiroi Shonin

terça-feira, 9 de julho de 2013

Véspera de feriado

Era um dia cinzento.
Cinzento e nublado.
Sem graça, até.
Mas o homem seguia
sorrindo.

Era um dia frio,
ventava.
O trânsito parado,
acontecia nada.
Mas o homem seguia
sorrindo.

Diziam que mais tarde
choveria. Talvez.
A noite, provável.
Mas o homem olhava
para o céu, cinza,
sorrindo.

Ele acreditava na promessa
do sol. Sabia,
mais tarde, veria
sua amada.
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Onishiroi Shonin

terça-feira, 2 de julho de 2013

Grounded

And there I stood.
Sure foot,
straight shoulders.

Wind tried to cut
my face in vain.
I am steel.

Sun tried to burn
my skin in vain.
I am mountain.

Death tried to take
my life in vain.
I am eternity.

Yet there I stood...
until a smile
took me away.

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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Noite bela

Muito pouco de sério foi dito.
Pois era uma noite bela
para se ser jovem.

E dedos foram feitos
instrumentos, dedilhando
sons acústicos das cordas,
de gargantas arfantes.

Das vozes se fez canto
em bocas que viravam
somente lábios e línguas
e corpos.

Contou-se estrelas eternas,
pois o futuro era
uma memória distante
na noite eterna,

pois era uma noite bela
para se ser jovem.

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Onishiroi Shonin

Segunda-feira

E era cinza e turvo.
Pesado dia.
Era nuvem, neblina
chumbo.

Não tinha hora,
era longo dia
que parecia sempre
quatro da tarde.

Escutava-se o barulho
do silêncio. Desânimo.
O longo lamento
do dia arrastando.

Havia dor e cansaço.
Era, em resumo,
uma tremenda ressaca.

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Onishiroi Shonin

domingo, 23 de junho de 2013

Brinquedo quebrado

Sei que vai chover.
Sei porque tenho
aquele negócio quebrado
que dói quando o tempo muda.

E então me sirvo uísque
puro. Vou precisar do
calor. Vou precisa me
embriagar. Numa boa.

Assim não sinto a dor
de saber que vai chover.
Aquele negócio quebrado
talvez pare de doer.

Parece que vai sempre chover.
Aquele negócio quebrado,
acho que está quebrado.

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Onishiroi Shonin

Uma manhã qualquer

A noite foi fria
mesmo sob os lençois.
Assim como foi fria
a manhã, mesmo sob o sol.

Olhei pela janela
e vi fantasmas na praça
como a memória querendo
preencher os bancos vazios.

Fiz café para dois,
mas até lá,
sempre tomei café por dois.

Lavei a caneca
mas mantive a sua
ainda suja.

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Onishiroi Shonin

terça-feira, 18 de junho de 2013

PEC 37

Vamos lá.

Eu não tenho tanta coisa assim contra o aumento da passagem, por vários motivos (principalmente o de ter sido abaixo do valor de inflação calculado, e blablablabla). Mas, amanhã, dia 19, vão apresentar um novo texto nas negociações da famosa PEC 37, e contra essa eu tenho algo. Bastante algo contra. E por vários motivos.

Para começo de conversa, eu não gosto de PECs ("hein Moisés, mas o que que é PEC?" PEC = Projeto de Emenda Constitucional. Em outras palavras, uma PEC aprovada pode acrescentar ou alterar algo na constituição. É o famoso liquid paper). As PECs são necessárias, para que a constituição continue adequando-se à realidade eternamente mutável e tal, mas cada alteração deve ser feita com cuidado. Porque? Ora, se eu obrigo alguém a seguir uma regra, mas dou a essa pessoa o poder de mudar a regra quando quiser sem precisar me falar, é como não dar-lhe regra nenhuma. Assim, uma emenda na constituição pode fazer com que aqueles que tem o poder de fazê-lo possam nunca estar sujeitos a regra alguma.

Especificamente, a PEC 37 determina que investigações, salvo exceções, só podem ser feitas pela polícia federal (e civil, no caso do DF). A justificativa "inocente" é que o texto atual da constituição não especifica quem pode fazer investigações, e isso fez com que ao longo do tempo a coisa fosse se dispersando, gerando conflitos, custos e blablabla. E que coisas ambíguas são ruins e que tem que ser especificado. Excelso. Porém, ao fazê-lo, remove-se o poder de investigação que atualmente o Ministério Público exerce. Isso quer dizer que daqui para diante o Ministério público não terá competência para realizar qualquer forma de investigação. Isso gera alguns problemas mas...

"Ah Moisés, deixa de ser chato. Já falaram que com isso a polícia federal vai poder concentrar os casos e cuidar melhor e vai subir os índices de sucesso. E que aqueles percentuais de 8% na internet são exagerados, justamente porque muitos casos são interrompidos favorecendo o MP quando ele entra na jogada. E manda um beijo par xuxa."

Ah, mando sim. Pode ser, de fato, que daqui a 40 anos, a vida seja melhor com a 37... mas, no momento, estou preocupado com uma relação de regras bem legais e, como sabem, adoro praticar a lógica:

Regra 1 - as normas processuais são publicadas para vigorar de imediato, aplicando-se a todos os atos ainda não-praticados
Regra 2 - Art. 5º, XL da constituição federal: "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu."
Regra 3 - Existe uma proposta para acrescentar a PEC 37 um artigo declarando que estão resguardadas as investigações realizadas pelo MP antes da PEC37
Regra 4 - Em caso de conflito, debate-se o que se fazer e, via de regra, deve ser escolhido o que for benéfico ao acusado.

Fato: O AP 470, também conhecido como Mensalão, foi obra de investigação do Ministério Público. O mesmo ainda não foi praticado, uma vez que as penas não foram aplicadas.

Vão lá, considerem isso tudo, mastiguem um pouco. Eu espero.

Aprovada, a PEC 37, da forma como está, possibilitará que a defesa dos mensalistas alegue que a condenação, e que todo o processo do mensalão, é inconstitucional. Logo, ele é nulo e vazio e deve ser ignorado. E todos que foram condenados vão para casa dormir tranquilos sabendo que nunca fizeram nada de errado na vida. Nada como a consciência tranquila,

Não se preocupem com quando a Polícia Federal decidir investigar nossos senadores. Basta eles passarem liquid paper na constituição de novo e alterar esse artigo, fazendo com que só os diabos da tazmânia tenham poder de realizar investigações.

Na história de hoje vocês aprenderam porque eu não gosto da PEC 37. Até amanhã pessoal.


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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Bakunin

Fiz do lenço branco
rosto
e da mão vazia
arma.

Fiz do corpo aberto
alvo
e do total estranho
parte.

Fiz da informação
poder
e do medo
ímpeto.

Fiz caos
contra a ordem
que gera o caos
para gerar ordem.

Fiz pouco.
Fizemos muito.

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Onishiroi Shonin

sábado, 15 de junho de 2013

Em casa no carnaval

Ela saiu da cidade
para o feriado.
Foi azul.

Fez-me falta,
ela fez.
A semana foi triste
e bem verde.

Ela voltou à cidade,
para me ver,
e sorri.

Mas quando entendi
chorei.
Azul me trouxe um corpo
e extraviou um coração.

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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 12 de junho de 2013

E começo e meio e fim

E então era primavera
e olhei seus olhos coloridos.
E sorri e fiquei bobo
de saber fazê-los sorrir.

E então era verão
e olhei seus olhos luminosos.
Os fiz dançar e ver
o mundo, nos olhos meus.

E então era outono
e olhei seus olhos dourados.
Então triste fiquei,
pois eu que traria
(e desde o início sabia)
o seu inverno.

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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Botão de flor

Hoje eu errei com uma flor
que conheci desde que da terra
saiu da semente e bocejou,
gritou, para o mundo.

Cuidei quando tinha só o caule.
Reguei, protegi, conversei,
e, eventualmente,
pequei

pois vi sua primeira pétala
e antes do desabrochar,
antes do pleno esplendor,
a tomei em minhas mãos.

Respirei seu perfume,
toquei sua pureza
e inebriei em seu néctar.

Pequei, por fim,
antes que outro pecasse.

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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Férias


Hoje eu acordei
tão cedo quanto.
Saudei o sol,
como sempre.
Me arrumei
com o mesmo prumo.
Tomei café, lendo jornal.

Mas depois,
ah... mas depois.
Depois não fiz porra nenhuma.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Largando a filosofia


Queria escrever um poema,
ou meditar questões
de sabedoria.

Queria contemplar o mundo,
estudar o universo,
entender o tudo.

Queria debater sobre o amor,
sobre a beleza das coisas,
dialeticar.

Queria curtir um pouco a
loucura, tristeza, ser feliz,
o choro.

Mas amanhã acordo as cinco.


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Onishiroi Shonin

domingo, 5 de maio de 2013

O cabo


Na ponta do mundo
a areia apontava o mar.
Não havia som,
só o quebrar.

Ereta, havia uma vontade.
Obsevava o infinito,
o fim.
Não soprava vento.

Um tremor da face,
um morder da língua,
um ato hercúleo.
Um assovio.

O lobo atendeu o chamado,
cheirou a mão da vontade.
Piscou.
Voltaram.

Na ponta do mundo,
o mar continuou a esperar.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Terreno baldio


Não era mais que um terreno.
Um lugar, um espaço.
Tinha algumas coisas,
mas pareciam pedaços.

Tinha um alguém.
Ficava olhando em volta,
vendo as coisas,
suspirava bastante.

As vezes pegava algo,
via que não valia mais
a pena. Algo quebrado.
Concluia não ter nada de bom.

Até que uma pessoa passou
por perto.
 Alguém observou.


A pessoa sorriu, virou,
se foi.
Alguém correu atrás.
Subitamente, algo de bom
achou.



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Onishiroi Shonin

terça-feira, 30 de abril de 2013

Pela maré


Caminho no ar, na espuma,
na marola da onda,
no infinito. Sigo a curva.

Caminho sem equilíbrio,
abro os braços, olhos fechados.
Me erram os lados.

Caminho torto, seguindo reto.
Piso no seco, fico molhado.
Circundo o globo.

Caminho por onde posso,
por onde duvidam. Piso
incerto, trôpego, vacilo.

Caminho, nado. Caminho.
Caminho o caminho
que se abre, se fecha,
nem sempre as vezes chega.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 23 de abril de 2013

Romance


A porta se abriu,
suave cortina.

A sombra encostou
no batente, olhou.
Olhou longo, feliz
saboreou.

A sombra andou, em
movimento os sapatos
tirou. Parou, andou,
parou, andou.

Um gesto
fez o sol lembrar
o caminho da janela.
Desenhou quadrados.

A sombra andou,
em seu destino chegou.
Junto do sol, soprou,
cantou.

A sombra tocou.
E foram eternos.


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Onishiroi Shonin

domingo, 21 de abril de 2013

A palavra não dita

Eu fiquei sentado na relva,
na nossa clareira,
nosso lugar especial,
de onde posso ver seu castelo.

Fiquei pensando e sonhando
com sua voz e seu toque
e, de forma geral,
sentindo saudade.

Fiquei afiando a espada
e lendo um livro.
Fazendo isso ou aquilo,
sabe, ocupado.

E não falei nada.
Silencioso e distante,
como cheguei fui embora,
sem você saber.

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Onishiroi Shonin

Pense pense pense

O vento sopra,
e vai levando
mentes embora.

Ideias flutuam,
e só atrapalham
as coisas todas.

Uma cabeça vazia.
Versos sem sentido.

Foco, foco, pense.
O vento sopra,
e vai levando.

Uma cabeça bem vazia
fica bem cheia,
das coisas todas.


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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O poeta

E era erudito.
Douto, senhor dos livros
das palavras, dos ditados.

E era herói.
Titã, ponto de apoio
dos amigos, dos estranhos.

Até a mão conhecer
cabelo, pescoço, cintura.
Até a mente conhecer
cheiro, pele,
a boca húmida.

Se era papel,
foi feito homem.

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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Soul sister


E nada nos roubará
aquele um momento.

Pois na noite longa
e dia quente,
ninguém soube,
mesmo quem viu,

que a semana foi o inferno.
Você bem viu.
E eu fiquei em silêncio,
e você e eu sofremos.

Mas naquele dia nós
paramos, sentamos,
e sentimos o cheiro de sal.

E nada nos roubará
aquele um momento,
em que estivemos lado a lado
e o mundo foi se danar.




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Onishiroi Shonin

terça-feira, 2 de abril de 2013

Peladeiros profissionais

 
 
Jogar uma pelada é um ato tradicional da vida brasileira. Parte-se do princípio de que todos já jogaram uma. A pelada tem um sentido especial, é diferente de um futebol amador. Quem nunca passou uma tarde inteira da juventude jogando uma pelada com os amigos, em um campo qualquer? É algo considerado natural à juventude, que faz parte do crescimento. Porém, os jovens crescem. E assim crescem as ocupações, e diminuem as tardes disponíveis para jogar uma pelada. Os peladeiros adultos não são mais aqueles jovens despreocupados com a tarde livre. O peladeiro adulto é um trabalhador, com horários limitados e regras. É um profissional. Mas continua apaixonado por sua pelada. E pelada profissional é coisa séria.

A diferença já começa antes do jogo. Os peladeiros profissionais não tem como ficar esperando o grupo-que-chegou-mais-cedo cansar e sair, eles estão pagando por uma hora marcada no campo, e querem cada segundo. Dez minutos antes da hora, os peladeiros já ficam ao lado do gramado, alongando e aquecendo, olhando torto a turma que chegou antes, fazendo pressão. Mesmo que, enquanto a maioria alongasse os braços e as pernas, o André tenha "feito pressão" enquanto alongava furiosamente o dedão, sentado na cadeira ao lado do gramado.

E finalmente o campo é liberado. Existem catorze jogadores para um campo com cinco em cada lado? Sem problemas, os "defora" são decididos pelos peladeiros profissionais em segundos. Não há tempo há perder, a bola tem que rolar e todos querem jogar. Basta piscar os olhos e o primeiro jogo já começou. E as primeiras partidas são sempre belas. Todos são crianças novamente, todos sorriem. Não há lance impossível, gramado molhado não incomoda ninguém, quem está no gol se joga com tudo na bola rasteira. Até quem não joga fica feliz e inquieto, ansiando por entrar em campo. No fim de cada partida-relâmpago, o time que perde faz uma veloz adedanha para ver quem fica, os coletes sendo trocados já com a bola rolando.

Eis que ocorre o temível. Alguém isola a bola em uma (de acordo com o "agente isolante") defesa excepcional. Isolar a bola, que se diga, é um ato e tanto. Em um campo em que todas as paredes e o teto são gradeados, uma cabeçada que consiga fazer a bola ficar presa na grade há três metros de altura é um feito, que faria o peladeiro amador comentar por alguns bons minutos. Mas peladeiros profissionais tem hora marcada para sair do campo e não recebem desconto. Antes mesmo da bola se encaixar na parede do campo, um jogador já escala a grade onde ela vai parar. Não há tempo para ficar sem jogar. A bola já está rolando novamente antes que o pretenso homem-aranha tenha colocado  os pés no gramado.

E então os peladeiros vão, jogo a jogo, sendo lembrados por seus corpos que são profissionais. Se quem saiu da primeira partida pediu um gatorade isotônico, quem sai da quarta já pede uma cerveja como relaxante muscular. Se no primeiro jogo todos corriam, no quinto o goleiro Bello já fica falando sem voz "se mexe time, se mexe". Rodrigo, que tinha dribles inspirados em todos os jogos, decide uma ousadia fazendo um giro de corpo por sobre a bola e, no impulso, segue girando até rolar pela grade lateral. A bicicleta do Hélio passa a ser com o pé no chão, algo entre o cansaço do pulo e a vantagem de ter quase dois metros de altura. No gol, o Guilherme que antes se jogava na bola consegue o lance no qual dá exatamente o toque que faltava para a bola passar por baixo das pernas em algo que não pode ser definido como gol, gol contra ou frango mesmo. Herbert, também atuando como goleiro, ao sair do gol com a bola e perdê-la, deixando sua baliza indefesa, descobre não ter forças para tentar roubá-la novamente e apoia-se nos joelhos como que pedindo por um milagre. De alguma forma, o time no ataque também perde o lance. Milagre ou cansaço? Para tirar a dúvida, o mesmo Herbert no mesmo gol perde novamente a bola dois minutos depois e leva um gol como tira-teima. Mas mesmo assim, são profissionais. As piadas serão feitas depois, no momento, o jogo é jogo, gol é gol e a vantagem da falta acaba por quem chutar primeiro a bola parada no chão.

Em dado momento os reservas começam a se tornar filosóficos. Lucas, fazendo uma avaliação técnica do jogo, confirma que o time cujo goleiro passa a bola para o time adversário menos vezes ganha. O goleiro de um metro e sessenta que perde a bola no ângulo acusa a culpa no gramado orvalhado, em rara demonstração de vocabulário futebolístico, alegando como sua nova chuteira não se entende com a água. Outros já comentam que o gramado molhado (de acordo com a nomenclatura formal no esporte bretão) é possivelmente o melhor jogador da partida.

Por fim, a hora de campo acaba, mas os jogadores ainda se agarram à sua pelada. Com o responsável pelo campo á beira do gramado, quem está de fora lhe  pressiona por só-mais-um-lance após o outro, como se fosse a saideira do bar. Em campo, mesmo com os jogadores visivelmente cansados, o último ânimo cresce para tentar fazer o gol de encerramento que parece não querer sair. De alguma forma, os céus parecem se compadecer. Por falta de forma para escolher o jogador a ser contemplado com o milagre do último gol nos minutos após o tempo previsto de jogo, o céu chove sobre os peladeiros profissionais, como se São Pedro olhasse para eles e falasse "Então pessoal, já deu né?".

Os heróis que saem do gramado são como religiosos após o ritual. Mais do que a satisfação de um belo lance ou uma jogada excepcional, sentem o prazer do dever cumprido. Ninguém debate se foi uma boa pelada, todos sabem que uma pelada sempre é boa. Os profissionais já sabem que tem mais na próxima quinta e, por isso mesmo, utilizamm o último fôlego para questionar o que realmente importa: "Quem que ainda não pagou essa porra?". Afinal, são profissionais, e pelada profissional é coisa séria.


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Onishiroi Shonin

sábado, 30 de março de 2013

Por você

Choveu aqui e ali
e molhou o homem na pedra.
Ele olhava o céu,
mas não via a chuva.

E a chuva molhou o chão,
a pedra e o mar.
Ele olhava a lua,
mas não via o céu.

E a chuva invocou o vento,
que soprou e cortou.
Ele ergueu a mão,
e a fechou.

E o mundo desabou
e caiu sobre o homem.
E ele continuou de pé
tentando puxar a lua.


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Onishiroi Shonin

domingo, 24 de março de 2013

Meta-poema

Os poemas, nesta vida
me pediram muita pouca
coisa.

Nunca pediram para ser
alegres. Ou tristes.
Ou amorosos.

Nunca pediram para ser
belos. Ou feios.
Ou métricos.

Por isso mesmo, não lhes
dei forma rima regra,
mal lhes dei poesia.

Nos recônditos da alma
(de um poeta)
os versos gritam somente
por dois anseios.

Uma casa de papel,
e visita.

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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 21 de março de 2013

Revirando o passado


O revirar e mexer
do passado distante
que traz, em seu rastro,
agonia constante.

A ciência do passado,
em si, já incômoda.
O mexer, procurar,
faz o corpo queimar.

Sobe pelo tronco em dor.
Forma um nó na garganta.
Força os olhos á fechar.
Os punhos se erguem...

e o espirro sai
de mexer na empoeirada gaveta.



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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 18 de março de 2013

Dia de chuva


Faz um dia lindo lá fora.
Está chovendo, é claro,
mas o cinza fúnebre
do mundo não lhe tira o belo.

Faz um dia lindo lá fora.
Estou dentro de casa, é claro,
mas o teto baixo, janela pequena
do mundo não lhe tira o tamanho.

Lá fora nasceu o sol que ninguém viu,
cantou o pássaro que ninguém ouviu,
soprou o vento que ninguém sentiu.

Faz um dia lindo lá fora.
Por baixo de todo esse veludo cinza,
o mundo continua sendo só o mundo.


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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 14 de março de 2013

Loucura


Quando conheci existia
somente o sonho.
Muitos princípios.

Então houve olhos, passos,
calcanhares inquietos.
Temores e conquistas.

E eu conheci e me conheceu.
E foi intenso e suave
loucura.

Houve posse e desejo,
amor e respeito,
carne e anseio

e dançamos a música,
a falta de música,
acertamos, trocamos, erramos.

Sorrindo esquecemos do começo,
dos sonhos.
Só nós e poucos princípios.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 12 de março de 2013

Do cotidiano


As vezes, você registra alguém. Não é um grande reconhecimento, nem um grande evento. É algo bobo, e que costuma passar desapercebido. Ao longo de um dia típico, uma pessoa que vive no mundo moderno passa por centenas de pessoas, milhares se você trabalha no centro, e todas essas pessoas passam desapercebidas. Mas aí, algo acontece, e você registra alguém.

Algo bobo. Alguém que você ficou olhando na fila do supermercado, ou que estava no mesmo elevador que você na hora do almoço. Pode ser alguém que discutiu com o gerente na fila do banco, ou que correu atrás do ônibus. Ou simplesmente algo que aconteceu sem justificativa. Por algum motivo, naquela hora, você travou o olhar em uma pessoa e a registrou.

Nada demais até então. As vezes, até é deixado para lá. Só que, de repente, você começa a notar essa pessoa, no meio da multidão que atravessa sua visão todos os dias. Você nota quando a encontra sempre em um determinado lugar, fazendo uma determinada coisa. Não é uma obsessão, não é uma paixão ou outro tipo de observação minuciosa. Você só destaca essa pessoa no meio do mar de gente que vê. Dentre todas as pessoas que você vê todo dia, essa é a que você realmente nota.

E, sem que perceba, começa a descobrir coisas sobre ela. Não é que você pense no assunto, ou mesmo tente observar algo. É um conhecimento osmótico, aparece na sua mente sem que haja esforço. Simplesmente, você percebe que a determinada pessoa não come carne no restaurante que por acaso costumam se encontrar, ou que sente uma dor ao pisar com o pé esquerdo. Nota pelo crachá no elevador o andar no qual ela trabalha, ou qual a bebida favorita pelo que costuma ter no carrinho do mercado. Conhece sua voz, e as vezes alguns de seus temas prediletos. Enxerga como o tempo afeta as rugas do rosto, sabe se houve algum problema quando a pessoa para de sorrir ou mesmo estranha quando muda algo na rotina. Eventualmente, passa a saber mais sobre uma pessoa totalmente estranha do que sobre as pessoas que efetivamente vivem com você, mesmo nunca parando para conversar ou mesmo saber seu nome.

Até que, em um dia totalmente aleatório e sem propósito, você e essa pessoa cruzam o olhar, e só então percebe.

Você também foi registrado.



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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 6 de março de 2013

Seja o que for


A água caiu como mágica,
como se lavasse a alma.
Caiu suave, fina,
com nuvem, anúncio e dia.

A água caiu como fúria,
como tempestade, indúbia.
Derrubou abaixo ladeira,
levantou do fundo a sujeira.

A água caiu como água,
inocente, coitada.
Por alguns culpada,
por outros inocentada.

A água caiu.
Quem quis, viu o que viu.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 5 de março de 2013

Tem um palavrão no final.


A voz que falou foi trovão.
Alguns correram,
outros ficaram
imóveis de medo.

A mão que bateu foi tempestade.
Alguns sofreram,
outros de longe
só observaram.

A fúria que seguiu foi implacável.
Alguns morreram,
outros escondidos
em silêncio oraram.

Temeram a divina ira,
mas estava somente
chovendo pra caralho.



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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 4 de março de 2013

Depois que o sol se escondeu


Não houve dedos,
somente mãos.
Não houve língua,
somente boca.

Não se dormiu,
nem descansou.
Não se parou,
nem repousou.

Houve voz,
mas não palavras.
Houve desejo,
mas não amor.

Até que o sol nasceu,
e houve nomes.



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Onishiroi Shonin

domingo, 3 de março de 2013

Sábado


Uma flor nasceu
no cinza-duro.

Não era bela
nem perfumada.
Mal tinha pétala,
desalinhada.

Tentaram lhe dizer
que era pedra.
Insistiu em se erguer,
que era bela.

Sofreu, chorou pisada.
Continuou, foi chata.

No sábado veio um beija-flor
e a conheceu.



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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Quinta-feira


O dia teve muitos números
e ternos e botões.
Processos e demissões.

Houve metas, e coisas
batidas, alcançadas e
sofridamente desistidas.

Alguém chorou e riu.
Alguns sapatos brilhantes.
Vestidos dançantes.

Via de regra,
foi um dia bem
pouco poético.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Queimando o céu

Avancei com passos firmes.
O céu laranja, a terra parda,
a aurora crescia, o coração acelerava
o amor movia minhas pernas.

Com força ergui os braços.
O céu laranja, o sol dourado,
a afetuosidade estava nos olhares,
o amor guiava meus dedos.

Então caí em mim e percebi,
que o laranja se esvaía.
E não era a aurora sobre mim,
mas o crepúsculo que crescia.

Agora não há mais afeto e o céu,
é cinza e vermelho.


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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Listras, listas...

Listras, listras...
tínhamos belas listras outrora.
Contra o verde do chão
e o do céu azul.

Listas, listas...
existiram listas porém.
Tapetes, cobertas, balas
e até do céu o azul.

Listras, listras...
ainda temos listras.
No chão, paredes, o sofá da sala.
E até no céu.

Eles não notam.
Roubaram o azul.


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Onishiroi Shonin

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Domingo em casa


O sol apareceu sem nascer,
sem anunciar, sem avisar.

Correu pelo céu
como quem anda.

As sombras se
esticaram
encolheram
esticaram.

Palavras soaram,
o vento soprou,
a onda bateu.

A sombra morreu.

E absolutamente nada
aconteceu.



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Onishiroi Shonin

A forja

A mão sobe, desce.
O fogo aumenta,
as almas derretem,
os corações misturam.

A mão sobe, desce.
O martelo bate,
as dúvidas morrem,
o amor explode.

A mão sobe, desce.
A água congela,
o desespero abate,
o frio envolve.

A mão sobe, desce.
A paixão acaba,
a lâmina corta,
mata.


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Onishiroi Shonin

Abominável menestrel das neves

Um violão que toca a última nota
Um tom sustenido que perdura no ar
Que insiste sabendo que sua vida se extingue
Que, aguda, estica-se e morre

O silêncio perdura no ar
Pois o trovador não quer mais falar
Os lobos que uivavam á sua companhia
Agora silenciam em triste melodia

As nuvens cobrem a luz do luar
A névoa vem para opaca o ar tornar
Antes conhecido por sua alegria
Hoje a canção se torna desarmonia

A neve cai indiferente, friamente
Congelando o calor tropical
Punindo a razão, enevoando a mente
Completando visualmente o final

O herói agora é monstro
O lorde agora é servo
O trovador, agora mudo
O guardião, agora dorme

Nos lábios não mais uma canção
Nos lábios não mais um beijo
Nos lábios agora a morte
E a tristeza da última, silenciosa, canção

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Onishiroi Shonin

Casa de papel

Minha casa eu construo com paredes de papel
Bases frágeis balançadas pelo vento
Apoadas únicamente em terra
e pena e grafite

Um dedo basta para a parede furar
Um suspiro e toda a casa voar
A força de um tropeço tira ela de lugar
Uma borracha tem o poder de a apagar

Minha casa tem a porta aberta a quem quiser
Obras de arte sem um guarda sequer
Ainda assim nela vivo sozinho
Nem ladrões ousam enfrentar o vazio

Minha morada tem o teto elevado
Espaço para reis e dragões
De olhos abertos é escura caverna
De olhos fechados se ilumina com o sol

Muitos já vieram destruí-la
Sem esforço suas mãos a põem abaixo
No dia seguinte novamente está em pé
Um novo cômodo, uma nova ala até

Para quem olha com cuidado as paredes tem marcas
Em cinza claro de maneira organizada
Hão palavras e palavras sons que são
De cada verso, cada estrofe da canção

Minha casa tem pareces de papel
Onde escrevo minha vida em poesia
Minha casa está dentro de meu coração
E dentro dela eu espero, hedonia e apostasia



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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Mais tarde

Deveria ter dito algo,
feito, cantado, gritado.

Falaram que deveria ter ido,
mas não ouvi ser dito.
Soube que me chamaram,
pelas cartas que chegaram.

Deveria ter avançado,
foi como me culparam.
Somente após assinado
expliquei aos que me escutaram

que muito ocupado então estava,
ouvindo o coração que cantava

e escrevendo um poema.



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Onishiroi Shonin