terça-feira, 30 de abril de 2013

Pela maré


Caminho no ar, na espuma,
na marola da onda,
no infinito. Sigo a curva.

Caminho sem equilíbrio,
abro os braços, olhos fechados.
Me erram os lados.

Caminho torto, seguindo reto.
Piso no seco, fico molhado.
Circundo o globo.

Caminho por onde posso,
por onde duvidam. Piso
incerto, trôpego, vacilo.

Caminho, nado. Caminho.
Caminho o caminho
que se abre, se fecha,
nem sempre as vezes chega.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 23 de abril de 2013

Romance


A porta se abriu,
suave cortina.

A sombra encostou
no batente, olhou.
Olhou longo, feliz
saboreou.

A sombra andou, em
movimento os sapatos
tirou. Parou, andou,
parou, andou.

Um gesto
fez o sol lembrar
o caminho da janela.
Desenhou quadrados.

A sombra andou,
em seu destino chegou.
Junto do sol, soprou,
cantou.

A sombra tocou.
E foram eternos.


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Onishiroi Shonin

domingo, 21 de abril de 2013

A palavra não dita

Eu fiquei sentado na relva,
na nossa clareira,
nosso lugar especial,
de onde posso ver seu castelo.

Fiquei pensando e sonhando
com sua voz e seu toque
e, de forma geral,
sentindo saudade.

Fiquei afiando a espada
e lendo um livro.
Fazendo isso ou aquilo,
sabe, ocupado.

E não falei nada.
Silencioso e distante,
como cheguei fui embora,
sem você saber.

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Onishiroi Shonin

Pense pense pense

O vento sopra,
e vai levando
mentes embora.

Ideias flutuam,
e só atrapalham
as coisas todas.

Uma cabeça vazia.
Versos sem sentido.

Foco, foco, pense.
O vento sopra,
e vai levando.

Uma cabeça bem vazia
fica bem cheia,
das coisas todas.


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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O poeta

E era erudito.
Douto, senhor dos livros
das palavras, dos ditados.

E era herói.
Titã, ponto de apoio
dos amigos, dos estranhos.

Até a mão conhecer
cabelo, pescoço, cintura.
Até a mente conhecer
cheiro, pele,
a boca húmida.

Se era papel,
foi feito homem.

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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Soul sister


E nada nos roubará
aquele um momento.

Pois na noite longa
e dia quente,
ninguém soube,
mesmo quem viu,

que a semana foi o inferno.
Você bem viu.
E eu fiquei em silêncio,
e você e eu sofremos.

Mas naquele dia nós
paramos, sentamos,
e sentimos o cheiro de sal.

E nada nos roubará
aquele um momento,
em que estivemos lado a lado
e o mundo foi se danar.




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Onishiroi Shonin

terça-feira, 2 de abril de 2013

Peladeiros profissionais

 
 
Jogar uma pelada é um ato tradicional da vida brasileira. Parte-se do princípio de que todos já jogaram uma. A pelada tem um sentido especial, é diferente de um futebol amador. Quem nunca passou uma tarde inteira da juventude jogando uma pelada com os amigos, em um campo qualquer? É algo considerado natural à juventude, que faz parte do crescimento. Porém, os jovens crescem. E assim crescem as ocupações, e diminuem as tardes disponíveis para jogar uma pelada. Os peladeiros adultos não são mais aqueles jovens despreocupados com a tarde livre. O peladeiro adulto é um trabalhador, com horários limitados e regras. É um profissional. Mas continua apaixonado por sua pelada. E pelada profissional é coisa séria.

A diferença já começa antes do jogo. Os peladeiros profissionais não tem como ficar esperando o grupo-que-chegou-mais-cedo cansar e sair, eles estão pagando por uma hora marcada no campo, e querem cada segundo. Dez minutos antes da hora, os peladeiros já ficam ao lado do gramado, alongando e aquecendo, olhando torto a turma que chegou antes, fazendo pressão. Mesmo que, enquanto a maioria alongasse os braços e as pernas, o André tenha "feito pressão" enquanto alongava furiosamente o dedão, sentado na cadeira ao lado do gramado.

E finalmente o campo é liberado. Existem catorze jogadores para um campo com cinco em cada lado? Sem problemas, os "defora" são decididos pelos peladeiros profissionais em segundos. Não há tempo há perder, a bola tem que rolar e todos querem jogar. Basta piscar os olhos e o primeiro jogo já começou. E as primeiras partidas são sempre belas. Todos são crianças novamente, todos sorriem. Não há lance impossível, gramado molhado não incomoda ninguém, quem está no gol se joga com tudo na bola rasteira. Até quem não joga fica feliz e inquieto, ansiando por entrar em campo. No fim de cada partida-relâmpago, o time que perde faz uma veloz adedanha para ver quem fica, os coletes sendo trocados já com a bola rolando.

Eis que ocorre o temível. Alguém isola a bola em uma (de acordo com o "agente isolante") defesa excepcional. Isolar a bola, que se diga, é um ato e tanto. Em um campo em que todas as paredes e o teto são gradeados, uma cabeçada que consiga fazer a bola ficar presa na grade há três metros de altura é um feito, que faria o peladeiro amador comentar por alguns bons minutos. Mas peladeiros profissionais tem hora marcada para sair do campo e não recebem desconto. Antes mesmo da bola se encaixar na parede do campo, um jogador já escala a grade onde ela vai parar. Não há tempo para ficar sem jogar. A bola já está rolando novamente antes que o pretenso homem-aranha tenha colocado  os pés no gramado.

E então os peladeiros vão, jogo a jogo, sendo lembrados por seus corpos que são profissionais. Se quem saiu da primeira partida pediu um gatorade isotônico, quem sai da quarta já pede uma cerveja como relaxante muscular. Se no primeiro jogo todos corriam, no quinto o goleiro Bello já fica falando sem voz "se mexe time, se mexe". Rodrigo, que tinha dribles inspirados em todos os jogos, decide uma ousadia fazendo um giro de corpo por sobre a bola e, no impulso, segue girando até rolar pela grade lateral. A bicicleta do Hélio passa a ser com o pé no chão, algo entre o cansaço do pulo e a vantagem de ter quase dois metros de altura. No gol, o Guilherme que antes se jogava na bola consegue o lance no qual dá exatamente o toque que faltava para a bola passar por baixo das pernas em algo que não pode ser definido como gol, gol contra ou frango mesmo. Herbert, também atuando como goleiro, ao sair do gol com a bola e perdê-la, deixando sua baliza indefesa, descobre não ter forças para tentar roubá-la novamente e apoia-se nos joelhos como que pedindo por um milagre. De alguma forma, o time no ataque também perde o lance. Milagre ou cansaço? Para tirar a dúvida, o mesmo Herbert no mesmo gol perde novamente a bola dois minutos depois e leva um gol como tira-teima. Mas mesmo assim, são profissionais. As piadas serão feitas depois, no momento, o jogo é jogo, gol é gol e a vantagem da falta acaba por quem chutar primeiro a bola parada no chão.

Em dado momento os reservas começam a se tornar filosóficos. Lucas, fazendo uma avaliação técnica do jogo, confirma que o time cujo goleiro passa a bola para o time adversário menos vezes ganha. O goleiro de um metro e sessenta que perde a bola no ângulo acusa a culpa no gramado orvalhado, em rara demonstração de vocabulário futebolístico, alegando como sua nova chuteira não se entende com a água. Outros já comentam que o gramado molhado (de acordo com a nomenclatura formal no esporte bretão) é possivelmente o melhor jogador da partida.

Por fim, a hora de campo acaba, mas os jogadores ainda se agarram à sua pelada. Com o responsável pelo campo á beira do gramado, quem está de fora lhe  pressiona por só-mais-um-lance após o outro, como se fosse a saideira do bar. Em campo, mesmo com os jogadores visivelmente cansados, o último ânimo cresce para tentar fazer o gol de encerramento que parece não querer sair. De alguma forma, os céus parecem se compadecer. Por falta de forma para escolher o jogador a ser contemplado com o milagre do último gol nos minutos após o tempo previsto de jogo, o céu chove sobre os peladeiros profissionais, como se São Pedro olhasse para eles e falasse "Então pessoal, já deu né?".

Os heróis que saem do gramado são como religiosos após o ritual. Mais do que a satisfação de um belo lance ou uma jogada excepcional, sentem o prazer do dever cumprido. Ninguém debate se foi uma boa pelada, todos sabem que uma pelada sempre é boa. Os profissionais já sabem que tem mais na próxima quinta e, por isso mesmo, utilizamm o último fôlego para questionar o que realmente importa: "Quem que ainda não pagou essa porra?". Afinal, são profissionais, e pelada profissional é coisa séria.


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Onishiroi Shonin