quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Tinta nanquim

Um pequeno número em vermelho
me levou a uma memória antiga
uma que eu nunca esqueci, mas
de alguma forma, deixou de importar.

Uma chamada que não atendi,
um momento de ausência, e
a percepção de que não
ouvia, já há tanto tempo,
sua voz.

Perdão, eu não estava disponível.

Eu me pergunto, sobre a memória
se aquela carta que lhe mandei
e da qual nunca recebi resposta
como do poema que nunca foi lido...
se você também não estava disponível.

Não tem mais problema.
Sobre a mancha da lágrima
que caiu no fim da página
marquei em nanquim,
minha escolha a prova d'água,
um ponto final

Depois, fiz exatamente o que
você mesmo me disse, anos antes
dessa mesma memória.

Virei a página
e escrevi novos poemas.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

6 da manhã

Ela passa a maquiagem no transporte
com experiência, compensando o balanço.
Só há tanto tempo no dia, e hoje
(como foi o ontem e, ela acredita, o amanhã)
não há o bastante.

Ela passa a maquiagem no transporte
porque a escola das crianças não é paga sozinha
muito menos por aquele que foi embora.
porque ela acordou cedo, cedo demais
mas não para si, nunca para si.
porque ela dormiu tarde, tarde demais, e as olheiras
não podem aparecer, jamais.

A sociedade não aceitaria isso.
Ela precisa estar linda
(e sorridente, e pacífica, e amável, e disposta)
d i s p o n í v e l
sempre.

Ela passa a maquiagem no transporte.


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Onishiroi Shonin