domingo, 25 de novembro de 2018

Enquanto a censura não vem

Me falaram que era pela segurança
que quem mata quem mata
não precisa explicar porque mata.
Que eu teria o direito de uma arma
para ser a insegurança
de quem ofende a minha segurança
pois quem atira primeiro é mais
seguro.

Me prometeram lutar contra o inimigo,
o apontaram, o pintaram, o prenderam.
Mas continuam lutando contra o inimigo
que eu não tenho certeza direito do que fez,
nem sei se amanhã serei eu mesmo um,
ou meu próximo, minha próxima,
o mais terrível vilão que
fez algo. Algo.

Me juraram, Brasil acima de tudo!
Logo também venderam uma parte para
quem fizesse o maior preço.
Chamaram alguém para me ensinar sobre
o Brasil. Soube que veio de fora.

Falaram que o lema era a verdade.
A verdade nos libertará.
Mas com tanta contradição, aonde está
a verdade?
Talvez a verdade seja a coerência de quem
hoje
teme que amanhã
será preso por falar a verdade.
A verdade nos libertará.

Em espírito, talvez.

Me falaram que não devo temer,
que a democracia é forte.
Me falaram tanta coisa,
que estou já esperando como vão
me enganar dessa vez.


______________ Onishiroi Shonin

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Escrito no asfalto

Eu ando pelas ruas da cidade.
Um guarda-chuva me protege do céu
o asfalto me protege da terra.

Eu ando pelas ruas da cidade.
Couro caro nos pés,
risca de giz em minha roupa.

Eu ando pelas ruas da cidade.
Cercado por seu som morto
de rodas que giram cavalos,
chuva que bate sem poder correr.
Céu cinza chumbo.
Chão cinza escuro.

Eu ando pelas ruas da cidade.
Cercado pelos espíritos que
similar à mim
passam.
Cabeças baixas, expressões severas.
Parecem atentamente buscar
nas pedras portuguesas uma fora de lugar.

As vezes, cruzam comigo o olhar.
Espantam-se, olhos arregalam.
Vêem meu sorriso e sei, no fundo
que se perguntam o que não viram
o que se revelou a mim.

Eu ando pelas ruas da cidade
enxergando poemas escritos
pelas gotas de chuva que caem
no meu rosto cansado,
e feliz.


______________ Onishiroi Shonin

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A eleição que nunca acabou

Nem acabará provavelmente. O que, pasmem, é a melhor notícia desde que ela começou. O Brasil é um país democrático, sob um modelo de presidencialismo de coalizão. Calma, sei que não está escrito na nossa constituição a palavra coalizão, mas neste texto isso não é um palavrão.

Nosso país não tem tradição democrática. Como resultado, frequentemente nossa noção de democracia é, no melhor dos casos, vaga. E isso faz todo sentido porque, além de termos uma democracia jovem, a maioria das relações pessoais não é democrática. Alguns costumam chamar a democracia de “ditadura da maioria”. Outros de “governo da maioria”, com quase o mesmo sentido.

Infelizmente, ambas as definições são imprecisas.

Democracia é governo do povo. E neste caso, por “povo” entende-se o conceito mais amplo de povo que possa ser aplicado em uma nação. Isto é, TODO o povo. Um governo ou ditadura da maioria seria, mal comparando, se Israel com seus 81% hebreus decidissem que os 19% árabes (censo de 2006) não tem direito a voz ou voto. Mas, como são democráticos, os árabes (por nota gente, árabe é um grupo étnico, não uma religião, tá? E, nesse contexto, hebreus também, caso não saibam) possuem voz, voto, representantes no parlamento (a Joint List, nome da “coligação” dos quatro maiores partidos representantes dos árabes, possuem 13 das 120 cadeiras no “congresso” deles, que é unicameral, cerca de 10,3%). Óbvio, a realidade é muito mais complexa e o povo de Israel não se distingue em A ou B, mas serve para dar um exemplo simplificado. Muito simplificado. Desculpa qualquer coisa.

Contudo, novamente, no Brasil costuma-se entender democracia como ditadura da maioria. E agora cabe descrever porque somos um presidencialismo de coalizão. Nosso presidente não tem poderes corruptíveis. Ou, melhor dizendo, tem bastante poder, até corruptível... mas outras instituições possuem bastante poder para equilibrar. Se um presidente decide passar uma medida provisória sem nenhum diálogo com o congresso ou com a população, o legislativo simplesmente pode ir lá e derrubar isso. O presidente também pode tentar vetar algo colocado pelo congresso. E se os dois ficarem de mau um com o outro, podem passar a vida inteira um vetando o trabalho do outro e sem ir a lugar nenhum.

Para trazer para um exemplo próximo da vida (sim, eu adoro exemplos), considere as relações que costumam haver na sua vida. Se uma pessoa jovem e seus pais precisam tomar uma decisão conjunta, o peso da vontade dos pais é muito mais forte, podendo eles simplesmente ignorar a opinião do mais jovem, ou nem mesmo consulta-lo. Em uma empresa, em uma escola, e na maioria das instituições, o poder é exercido de forma similar, verticalizada, na qual o topo sempre tem o poder decisório sem a necessidade de sequer consultar o que há abaixo. E as pessoas costumam com esse hábito pensar que o governo funciona assim. Mas a realidade é mais perto do que ocorre quando você e três amigos decidem pedir uma pizza. Os quatro vão debater sabores, um vai oferecer argumentos para o outro, algum vai ceder que não tenha o sabor que ele queria em troca de também não ter Aliche que ele não come (eu conheço uma pessoa cuja pizza favorita é de Aliche. Me diga se você também tem esse def... peculiaridade). No fim, será pega uma pizza meio a meio que talvez não deixe ninguém ABSOLUTAMENTE feliz, mas também não deixe ninguém ABSOLUTAMENTE infeliz.

A pizza não é escolhida somente com o voto binário de cada um. As opiniões são jogadas na mesa e trabalhadas. Frequentemente grupos muito heterogêneos demoram horas para pedir uma pizza, grupos mais afinados o fazem com uma agilidade invejável. E o presidencialismo de coalizão é mais similar a isso.

O presidente não pode forçar a mão e fazer o que quer. Mesmo quando se tem uma aparente “maioria” da câmara, essa maioria significa 42 senadores e 257 deputados (para maioria simples). Ou seja, mesmo que você tenha na composição desse número seus 299 melhores amigos, deve ser difícil pedir uma pizza... e tem que lembrar que a outra metade também vai pagar pela pizza e, graças a questões maravilhosas como quórum mínimo, mesmo a minoria, se decidir bater o pé, consegue tornar o governo um inferno (é tipo quando tem aquela pessoa que bate o pé e diz que se vier uma pizza com camarão mesmo em uma fatia ele não vai pagar porque é alérgico. Super apoio essa opção, eu não gosto de camarão).

Assim, o presidente, para governar, é obrigado indiretamente a formar coalizões, grupos que consigam chegar em consenso. Esse consenso normalmente tende a ser algo que não era aquilo que a maioria queria, porque teve que conceder algo para a minoria, nem o que a minoria queria, porque acaba tendo que aceitar algo da maioria e, sim, a maioria fica com mais força para trazer esse meio termo mais na sua direção. Mas daí a atropelar a minoria como se não tivesse voz, simplesmente não consegue.

E nisso eu chego ao futuro presidente. Eleito com 55% dos votos válidos (não vou entrar no mérito de quantos isso realmente são de população e tal, a discussão sobre a presença nos votos e tal fica para um outro texto), já nasce em uma população dividida. Adicionalmente, apesar de, como muitos estão falando, ter na mesma eleição uma inclusão de vários membros do seu partido e outros aliados na câmara, não tem nisso, ainda, uma representação realmente forte. Muitos membros eleitos e/ou aliados são pessoas que chegaram no partido na última hora, ou aliados declarados de última hora. E você pode ter tido uma conexão muito legal com aquela pessoa nova, mas só vai saber mesmo quando fizerem o teste de rachar a conta do bar.

E nisto, fico feliz pela eleição ainda ser um tópico de debate. Feliz porque, como um país de pouca tradição democrática, o povo frequentemente esquece que também faz parte do governo. Como somos nós que pagamos a pizza, mesmo quando não estamos lá dando o voto do “sim/não” no sabor dela, quando fazemos barulho contra ou a favor de algo, os votados são obrigados a lembrar que se irritarem suficientemente a população simplesmente não estarão lá dentro na próxima rodada. Isso foi algo interessante da eleição recente em que muitos membros do legislativo não conseguiram reeleição, que antes era algo bem normal. Mostra uma parte da evolução da memória, e da relevância de colocar o debate em voz alta. Esse mesmo som ajuda a alterar detalhes numa dita legislação antes do voto definitivo, ou mesmo sua aprovação.

A continuidade do debate, seja você de direita ou de esquerda (nota mental, também preciso falar sobre isso um dia) é um bom sinal, de que política pode vir a se tornar uma parte da conversa do dia a dia fora das eleições e ser removida do rol de coisas que não se debate, com o qual nunca concordei mesmo (filósofos não perdem uma oportunidade de discutir política ou religião. E futebol é política). Claro, como todo parto, todo início, o momento atual é difícil. O debate ainda parece mais discussão e menos desenvolvimento de ideias, enquanto ainda há muita gente querendo provar estar certa ou errada, ignorando que o mundo não é binário. Mas é um começo. A oposição tem voz sim, e tem que ter, e a posição tem que ouvir sim, e negociar sim. Para isso, é importante que todos participem de forma propositiva, e não simplesmente fincando o pé. Se tiver uma opinião, fale, seja ouvido, e ouça de volta. Talvez assim, daqui a dois anos, no próximo pleito, as pessoas estejam mais treinadas no diálogo político e tenhamos uma eleição mais saudável e menos... seja lá que nome damos para o que aconteceu nas últimas semanas.

______________ Onishiroi Shonin