terça-feira, 30 de junho de 2020

A mar

Um pedaço de mar, dentro da sala.
Um salão, todo vazio, mas
salinha, minúscula para a mar.

Regras, lições, ordens, objetivos
inúteis, a mar despersa, sorridente
ressoa música do seu ser liberto
carregando em si uma parte do horizonte
para o qual ela vai, do qual veio,
parte do que é, eterno distante.

Da sua incostância, flui
mesmo na aparência imóvel é
sua superfície toda tensão, movimento
um algo de desequilíbrio e paixão.

Aos olhos dos comuns, encanta
as mentes que despertam em desejo
de assim ser livre, horizonte.

Da beleza que cria, que cada momento se torna,
a pedra que de longe observa faz
inspirado na canção dela
poesia.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Hailie

Alguns a veem homem.
Ela sabe que é mulher.
Nem todos possuem olhos
ou a faculdade do saber.

Ela expressa-se, no jeito, na roupa.
Alguns acham ser cor
e fazem pouco, como se trivial fosse
o cinza-escuro-negro-dor.

Alguns acham passageiro, moda.
Dizem passará, cairá na real.
Um único mundo enxergam, concretizam.
Ela, felizmente, sabe quem é afinal.

Alguns, infelizmente, são muitos e múltiplos,
pessoas de muitas cabeças, mas razão muda.
Ela, muitas vezes só, sobre o esgoto do mundo,
total, una, ideia que é, como buda flutua.

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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Quatro causas

Uma folha de papel que ainda
não sabe o poema que será
quando do tubo chorar sobre ele
(sem soluços, com calma e precisão)
a tinta negra da minha mão.

Meus melhores amigos, sempre comigo,
as palavras em potência dos versos
que ainda virão a ser, se assim
houverem encontrado seu princípio
numa causa final necessária
tornando a mim, deles mero
(mas eficiente)
instrumento servil.

Usam-me, e despedem-se,
viajando à mentes outras que
sem consciência terem, tocam
abrindo janelas nas almas
para ideias que nem sabiam
caber em palavras.

Os poemas, em ato estes,
infelizmente,
não mais me pertencem.

No meu quarto vazio, fica somente
o papel ainda limpo
a caneta ainda cheia
e o caos da mente irriquieta
pura potência, processo,
nunca completa.


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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Dois passos atrás

Eis que após tanto tempo
mantendo firme minhas mãos
para que não escorresse
como areia entre os dedos
o meu amor...

percebi que era não eu que segurava
mas as unhas cravadas em mim
que nos juntavam.
Vi no olhar, no calor dos lábios
no desespero da língua que me busca
a alma presa, desesperada.

E foi assim que
entreguei-me ao vento
e tornei-me areia
escorrendo entre as unhas
fugindo daquele beijo
e caindo, caindo, caindo
no fundo do mais negro abismo.

Num último momento,
em que já frio, distante até mesmo
da memória do calor do toque que abandonei
olhei para o céu e vi meu amor
que
livre
sorria.


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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Um verso em solidão

O farol de minha torre permanece
aceso, iluminando as trevas.
Constante como as pedras sobre
as quais me sustento firme, às quais
pertenço.

Meu barco, em meu pequeno píer,
há muito parado mas ainda pristino.
Não é ele, ou a mar, mas minhas mãos,
admito, um pouco cansadas,
que talvez não tenham mais a força
de procurar lá fora a tempestade distante
que me deixou aqui, ao seguir adiante.

Ou a vontade, contra o dever.

Não vivo só.
A luz do farol socorre e atrai
as almas perdidas que navegam
ou se afogam
pelas trevas do mundo.

No farol elas encontram calor e sustento
direção.

O farol é necessário.
Sobre as pedras deste atol
eu permaneço, cuidando da luz,
mas desejando a tempestade
sempre, sempre distante.

Não vivo só.
Mas da luz do farol
que evita que outros aqui se percam

eu cuido só.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 2 de junho de 2020

I can't breathe, ft. Gabriela Cataldo

O dia amanheceu recusando o azul,
no céu, no chão, as ruas vermelhas
do sangue dos nossos derramado,
por uns sentido, outros ignorado.

O fogo que queima na minha'alma
não coube nas veias do silêncio,
foi posto nos carros, nas ruas.
A chama inflama vermelha, e negra.

Mais um negro foi morto e torturado.
Seu crime inafiançável, porte de melanina
pois que mesmo abaixando a cabeça
era ainda um negro.

Um homem negro
morto e torturado.

Há quem ainda acha importante
distinguir, separar, segregar
pela cor de nossa pele.
Como se não bastasse a dicotomia social.

O rei branco na casa um sai impune
com seus bunkers e guardas e cercas.
Pensou em atravessar a rua mas decidiu
não olhar de perto os cartazes brancos
nas mãos negras, ficou atrás das linhas
dos guardas brancos, de roupas negras.

Se acham tão elevados e puros, intocados
com suas mãos manchadas de vermelho-sangue.

Não obstante, eles erguem essas cores
Oscilando suas bandeiras flamejantes.
Todos fascistas, nazistas, racistas
Armados com ódio e desrespeito,
Repletos de indiferença e preconceito,
Repetindo histórias de "não sou mas".

Já não podemos respirar!
Já não podemos nos calar!
Faremos sim, barreira a quem precisa.
Romperemos nosso silêncio,
Encheremos o mundo de protestos.
A injustiça não merece paz.


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Onishiroi Shonin & Gabriela Cataldo

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Flexibilização

Precisamos fazer a economia girar
pois sem moedas para o barco da morte
Caronte se recusa a o rio atravessar
e muitos são os que na fila estão, sem sorte.

Não que não haja aqueles que, em casa
demandam pelo direito de que eu saia
para que gire a máquina de sua fábrica
desde que, claro, eu use máscara.

Infelizmente, hoje não deu para protestar
enquanto eu via as bandeiras, a carreata
precisei numa fila madrugar e perguntar
porque eu constava morto para o auxílio já.

Talvez, apenas poupando o tempo, adiantando
o inevitável.

Precisamos fazer a economia girar
pois sem moedas para o barco da morte
Caronte se recusa a o rio atravessar.


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Onishiroi Shonin