quarta-feira, 31 de julho de 2019

Tudo que pode ser

Existe uma casa, num lugar distante
com um pequeno cercado de madeira
e um portão simples, quase infantil.

Chegando nela, existe um jardim
de grama verde e trilha de pedrinhas
tão convidativo que dá vontade de deitar.

No jardim há uma árvore da qual
um balanço ginga sozinho, sempre
esperando sua criança, sua dona.

Um canteiro, pertinho da casa
coberto de rosas brancas mostra
o cuidado de um jardineiro dedicado.

Os animais de estimação virão ver
a visita que se aproxima em alegria
e correr e cheirar e latir e miar.

Dentro da casa, numa cadeira de balanço
perto da lareira, com um livro na mão
permanece, sempre a espera, um marinheiro.

Calmo, sereno e paciente, ele aguarda
a casa, num distante futuro sonhado
tornar-se, finalmente

lar.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 23 de julho de 2019

Cabe uma penteadeira

Juntos, nós pintamos as paredes.
A sala ficou melhor que a cozinha.
Quando chegamos nela já sabíamos
o que diabos estávamos fazendo.
Rimos um bocado, acho que ninguém mais
tem uma sala pintada de branco-risada.

Colocamos um sofá para dois.
Você escolheu a cor e tecido
um que o gato não consegue arranhar.
Montei a cama, e os móveis
da cozinha, do quarto, da sala.
Tenho uma marca na mão
de todos os cento e doze parafusos.

Penduramos alguns quadros
e ganhamos um elefante.
Eu chamei de mitologia
mas nunca reclamei.

Nós construímos de um lugar
juntos
um lar.


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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Lençóis dobrados

A cama está arrumada.
Lençóis dobrados,
travesseiros posicionados.

Tudo no mais perfeito lugar.

Parecia um erro.
A cama já esteve bagunçada,
com a capa saindo
lençóis pelo chão
e os travesseiros sabe se lá
aonde.

A cama bagunçada
tão convidativa.
Tão quente.

A cama está arrumada
e fria.

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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Noite de gala

Dizem que a noite todos os gatos
são pardos.
Não é o que parece aqui.
Na noite, cheia de dourado
todos são brancos, muito brancos.
Eu mesmo, em minha pele parda
debaixo desse terno, gravata
e camisa de abotoadura
me sinto branco.

Dizem que a noite todos os gatos
são pardos.
Talvez isso fosse bom.
Não aqui, aqui ninguém quer ser
pardo.
No canto de olho percebem o movimento
da mão negra, da pele escura,
que segura a bandeja, os copos.
Mas os gatos, são todos brancos.
Para eles, sou da cor da minha camisa
tão branca, tão alva.

Dizem que a noite todos os gatos
são pardos.
Envergonho-me de não me sentir assim hoje.
Nesta noite, negra e dourada
me sinto incomodamente
branco.

Meu sangue é da cor da minha gravata.
No vento, minha pele quente
não sente frio.

Dizem que a noite todos os gatos
são pardos.

Quem me dera.


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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Aguaceiro

Ninguém viu o sol partir.
Na tarde chuvosa os olhos
ficam todos pesados, baixos.
De qualquer forma, no cinza
a manhã e o anoitecer se confundem.

Nem tudo fica cinza.
Os ternos continuam negros
e as árvores que ainda tem
ficam com as folhas mais verdes.
Mas os olhos, semicerrados
veem o chão e o asfalto molhado.

Uma criança brincando pula uma poça
esquecendo para trás seu guarda-chuva
cor de rosa.

Os olhos continuam pesados.
A mãe vê imprudência e doença
aonde o mundo lhe apresenta poesia.


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Onishiroi Shonin