quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Tempos difíceis

Meu amor me pediu por boas notícias.
E, pasmo, fiquei em silêncio.

Havia fogo no norte,
óleo no nordeste,
protesto no oeste,
guerra no leste.

Eram tempos difíceis para
pensar alto
falar com liberdade
ser o que formos.
Tempos difíceis
para ser poeta.

E pensei no meu íntimo
quando um outro poeta
cantou que um dia, a música
a própria música
morreu.
E ele pediu por uma canção alegre
e lhe sorriram e desviaram o olhar.

Meu amor me pediu por boas notícias.
Eu abracei, em silêncio,
e no meio do caos
dançamos.

O mundo em chamas, eu sei,
mas mesmo que sejam tempos difíceis
tempos difíceis para ser poeta

nós

ainda ouvimos a música.

Meu amor me pediu por boas notícias.
Eu tenho uma.

Nós.

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Onishiroi Shonin

domingo, 27 de outubro de 2019

Alguns dias são piores

Foi um daqueles dias
em que fiquei algo feliz
por ter saído da cama.

Foi um daqueles dias
que chorei no banho e cama
sem saber porque.
Eu fiz o meu melhor
eu juro.
Mas senti tanto cansaço
que mesmo sem sangrar
mais uma vez morri.

Mas eu saí da cama e,
contragosto,
me dei parabéns.

No desespero sem motivo
girei no dedo o anel invisível
para ler mais uma vez a mensagem
isso também vai passar.

E foi assim, que sem vontade
do fundo da minha tristeza
fiquei algo feliz
por ter saído da cama.

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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Cera

Parei para cuidar dos sapatos.
Era necessário, afinal, choveu.
Eles não foram feitos para a chuva.
Questiono as vezes se sequer
foram feitos para andar.

Faço questão de cuidar deles.
Dos meus próprios sapatos.
Não acho que vou fazer melhor
do que ninguém, por ser meu.
Nem acho uma economia inteligente.

Dá muito trabalho isso
de cuidar dos sapatos.

Secar.
Limpar.
Secar.

Tirar os cadarços.

Engraxar.

E eis porque eu faço isso.

Cuido dos meus próprios sapatos
só, somente, tão simplesmente
para usar a escova que você me deu.


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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Tricotando

No silêncio, aonde não posso ouvir
nem mesmo o soprar do vento,
pois que até mesmo este
hoje está tão distante de mim,
observo as paredes cobertas
de livros, estantes, e mesmo,
mesmo na parede mais vazia
a memória carregada pela tinta
branco-risada.

Neste silêncio, denso,
que não posso pegar,
mas sinto à minha volta
desafiando-me a dizer palavra.
Não ouso, eis que quebro.
No meu quebrar, sutil
mantenho íntegro algo.

Silêncio.
Na profundeza de minha mente
lembro da risada, da voz,
do toque, do calor,
e dos planos.

Ah, a saudade que sinto.

Na casa vazia que habito
pacientemente aguardo
pois sei que aquele sorriso,
aquele toque, aquele calor,
voltará, para continuar
comigo
a fazer do silêncio um estranho
e dessa casa
lar.



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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Silhueta

Foi perfeito aquele instante
logo depois do incrível.
Não, mais que incrível, muito mais,
ainda estamos procurando
a palavra. Inventando.

Naquele instante perfeito,
eu, que via somente
a negra silhueta da sua forma
contra a fraca luz vinda de fora...
o contorno do seu corpo, lindo
e seus cabelos, moldura do perfil
que, lábios separados, apenas
respirava. Ofegava.
Sentia.

Caído, mais que deitado
nada eu era além de algo
que admirava
seu desenho, nossa arte.

Logo após o incrível, o mais que incrível,
aquele silencioso instante na escuridão
foi perfeito.



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Onishiroi Shonin