terça-feira, 20 de agosto de 2019

Witzel comemorando uma morte

Witzel comemorando uma morte.

Algumas horas de tensão
de pessoas sob ameaça
vias interditadas
e uma vida terminada.

Witzel comemorando uma morte.

Trânsito fechado, e alguns
só querendo saber quando acabava
para chegar num trabalho tão
tão longe, impossivelmente distante.

Witzel comemorando uma morte.

Seis disparos para resolver
o que não tentaram com educação
o que não tentaram com diálogo
o que não tentaram, nunca tentarão.

Witzel comemorando uma morte.

Porque o que o estado abandonou
perdeu o direito de ser gente
de ser humano, de ser vivo.
É para sumir, com disparo na cabecinha.

Witzel comemorando uma morte.
Witzel comemorando uma morte.
Witzel comemorando uma morte.

Parece pouco agora, parece nada
disparar um punhado de palavras
contra as seis balas que amanhã
ou depois, ou depois
podem ser a minha morte
na hora e lugar errados.

Witzel comemorando minha morte.
Witzel comemorando sua morte.
Witzel comemorando nossa morte.


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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Antes da chuva

O dia acordou branco
como se coberto de neve
mas era somente a nuvem
aquela nuvem sem graça
de que vai vir chuva
mas não ainda.

O horizonte cinza promete.
O vento sopra contra, tentando
convencer quem anda a
voltar
desistir
largar
deitar, rolar, sumir.

No asfalto seco da chuva que não caiu
ainda
contra o vento
e rumo o horizonte turbulento

caminho.


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Onishiroi Shonin

domingo, 18 de agosto de 2019

No mar da cidade, um poema

Tinha beleza o mar daquela cidade
aonde a criança brincava na onda
e em pé sobre a pedra que aponta
o ócio balançava numa vara de pesca.

Uma vela empurrava um pequeno barco
que circundava o imenso petroleiro
que se afastava da metálica plataforma
e sua coluna de escuridão contra o céu azul.

Alguém ouviu um piano
com batida de hip-hop.
As pedras ainda se erguem montanhas
redondas, acariciando o céu
que o vidro que se lança alto arranha.

Os sabiás cantam no vento
sem saber a diferença
entre a palmeira e um poste.

Tinha beleza o mar daquela cidade.


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Onishiroi Shonin

sábado, 17 de agosto de 2019

Queria ela

Queria ela, mais um dia
a simplicidade e a leveza
de uma saia que o vento leva
a sandália que nem pesa
e a camisa de algodão branca
alva, livre, leve

e sem sutiã.

Queria ela, uma vez
ser pele e criança, simples.
Ser ela, livre, sem
peso, sem pensar, sem
olhar para trás

e sem sutiã.

Queria ela, mas
quem a olha tão leve
vê não pele, não criança,
vê um corpo, um pedaço de carne
nos olhos pesados de um mundo errado
a leveza é mal entendida, ganha peso
ganha nomes
ganha sons
ganha intenções
porque, porque tão simplesmente ela é

e sem sutiã.

Queria ela,
não ter que ser daquele jeito.
Manteve a saia, a sandália e
mais um dia, todo dia
metafisicamente queimou o sutiã.
Ao invés de leveza, de pele
de ser criança
deixou correr aço em suas veias
gelo em seu olhar e peso
peso, tanto peso
em cada passo, cada andar.

Armou-se quando queria vestir-se
enfrentou quando queria ser
e atravessou o mundo
dura mulher, pedra coração
através do qual queria tão simplesmente
andar.

Queria ela,
não ter que todo dia, uma vez mais
queimar um sutiã
na esperança somente de que
um dia
entendessem o que representava.

Queria ela,
ao livrar-se da corrente
não tornar-se mais pesada, mais presa
mais enfrentada. Encarada. Julgada.

Queria ela
ser leve, ser pele, ser criança.
Talvez sorrir

e sem sutiã.


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Em bangu

Em bangu não tem o leblon presente
o amigão da vizinhança de bicicleta.
Mas tem o preto e branco e azul
cheio de pontas para todo lado.

Soube que aconteceu mais uma vez
e um traficante perigoso foi abatido
com perigosos cadernos e livros
sendo encontrados dentro da mochila.

Soube que aconteceu mais uma vez
e uma mãe foi atingida, não se sabe por quem.
O filho também, mas esse a polícia
disse que ia ser traficante um dia.

Em bangu não tem o leblon presente
com armas não letais e viaturas brancas.
Tem somente o carro preto, a bala rápida
o gatilho solto, a vida de baixo valor

Amanhã é outro dia, mais um dia.
O luto infelizmente tem que passar.
Temos que levantar, ir a luta
e levantar bem alto a bíblia
para que não seja confundida também
com um caderno escolar.



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Onishiroi Shonin

domingo, 11 de agosto de 2019

A maior de todas

Foi uma poetisa que me disse
que poemas deviam ser sobre coisas grandes.
Importantes.

Eu tentei.
Escrevi sobre a rosa atômica e a de barro.
Escrevi sobre filosofia, sobre política
e sobre poesia.
Mas tudo isso pareceu pequeno.
Irrelevante.

A coisa maior que me faz escrever...
a maior de todas que quero em palavras

é a garota de cachos tão grandes
com o olhar profundo que me paralisa
mas me vê inteiro e me derrete
de mãos tão lindas, dedos que quero
entrelaçados nos meus, ouvindo a voz
que sussurra que me ama.

A mulher de versos tão perfeitos
de caos tão puro, coração tão grande,
boca tão gostosa, unhas tão intensas.

Me perdoem quem esperava
versos sobre o mundo, sobre o pensar.

Não há nada mais tão grande, tão maior
quanto ela
para meu verso.


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Onishiroi Shonin

sábado, 10 de agosto de 2019

A escolha

Eu me preparei, cuidei.

Nas coisas bobas, triviais.
Fiz as unhas, cortei pelos,
arrumei e limpei a casa.

Nas coisas simples, da vida.
Liberei minha agenda, organizei
para que tudo estivesse livre.

Nas coisas complexas, de mim.
Cuidei da mente, do corpo,
dormi bem, fiquei feliz.

Nas coisas mais importantes, supremas...
escolhi você.

Por isso naquela manhã
sentei-me na janela
olhando o que ninguém mais via.

No horizonte invisível
carregava minha promessa
de esperar você.

Todos os dias
um mesmo ritual.

Talvez, talvez,
um dia

seja o dia.


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Onishiroi Shonin

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Beija-me

Beija-me
enquanto nossos lábios ainda
estão quentes da promessa
de uma só vida.

Beija-me
enquanto nossas palavras ecoam
o amor entregue sem culpa
sem medo, sem restrição.

Beija-me
enquanto nossas bocas retém o sabor
do vinho que bebemos, do sangue
da mordida, do desejo.

Beija-me
enquanto nossos dedos entrelaçados
nossos corpos quentes
nossa respiração ofegante.

Beija-me!
Beija-me enquanto brilha o sol.
Beija-me enquanto não vem o vento
trazer a noite fria
e o fim do nosso tempo.

Beija-me
enquanto podemos, enquanto...


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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Atrás dos olhos castanhos

Ela me deu o que nunca pedi
ao enxergar em mim o que eu
podia ser, antes de conceber
e com os olhos, na minha alma pedra
esculpir tudo que havia em mim
tirando tudo que eu não era.

Eu dei de volta o que podia
ao escrever o verso que achei
dentro do espírito que encontrei
nos olhos que me enxergavam
mais do que eu mesmo
os versos que ela era.
Os versos que ela me deu.

No objetivo e material, quem olhava
via muito, muito pouco, o trivial.
Café da manhã, um passeio
um pé que se esquenta no meio da noite,
ligações de dois minutos para dizer
eu te amo.

Abaixo da superfície,
bem no fundo de nossos olhares
havia um mundo
havia arte
havia tudo que nós.


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Onishiroi Shonin