O mito da caverna. Você provavelmente
já ouviu falar dele e, mesmo que não, já o ouviu indiretamente sem
nem saber. Inicialmente contado por Sócrates, dois mil e quinhentos
anos atrás, o mito visava explicar como o ser humano possui uma
capacidade de escolher a ignorância. No mito, a humanidade vive
presa em uma caverna, cuja entrada é uma íngrime descida, e em
frente a qual brilha uma luz forte que projeta sombras para dentro da
caverna. Os que vivem na caverna, acorrentados, passam o dia vendo
somente estas sombras e assumem que estas são tudo o que existe. Em
sequência do mito, uma pessoa liberta-se de seus grilhões e tenta
sair da caverna, no qual sofre pelo esforço da íngrime subida, e é
então cegado pela luz forte do mundo real. Apenas após passar por
este doloroso processo, ele percebe o mundo de verdade e identifica a
real forma das sombras que antes acreditava como verdadeira. Na
conclusão do mito, esta pessoa tenta retornar à caverna para
explicar aos seus semelhantes que vivem uma ilusão, e que o
verdadeiro mundo está lá fora.
Neste ponto ele é feito em pedaços.
Claro.
A história deste mito reflete-se
indiretamente em dezenas de histórias (como a jornada de
auto-descoberta de Alice no país das maravilhas) e diretamente em
outras (Matrix um é EXATAMENTE este mito, ponto a ponto, incluindo
detalhes que deixei de lado). E em um ponto que acho extremamente
interessante, é curioso verificar como o mito permanece atual e a
caverna evoluiu em sua forma. Quanto mais tornamos eficientes os
meios de comunicação, mais alguns de nós escolhem enfiar-se na
caverna. E, assim como os que permanecem na caverna do mito original,
acreditamos em nossas escolhas justamente no contrário.
Um caso clássico de caverna são as
redes sociais, como o Facebook e o Twitter. Um estudo recente
(bit.ly/1Lmodcs)
mostrou que o uso passivo destas redes sociais pode inclusive
deprimir uma pessoa. Este uso passivo, denominado pela Bianca Pereira
no excelente texto “como seria a vida sem facebook e twitter”
(http://bit.ly/1ZmbZGN) de
Timeline Vortex (tan dan dan DAAAANNNNNN) é nada mais do que mais
uma expressão da caverna. Com a suposta ideia de estar
atualizando-se com notícias ou eventos sociais, o ser humano para
frente a uma lista de conteúdo restrita em origem e novamente
restrita em exibição. Isto porque já existe restrição no que
cada um posta nestas redes sociais. Seja sincero, você não escolhe
colocar na rede social os detalhes sórdidos da sua vida (exceto no
caso das pessoas que utilizam o twitter com criptografia para
indiretas…), e sim os melhores momentos, ou as notícias
inusitadas/engraçadas. Ao acessar a timeline, você visualiza uma
pequena fração deste conteúdo já restrito compartilhado por
outros usuários, com base nos critérios místicos destas empresas.
Critérios místicos cujo objetivo fim é
1) Manter você no timeline vortex
indefinidamente (está de saída? Baixe nosso aplicativo e permaneça
conectado aonde estiver!)
2) Fazer você clicar em links
patrocinados
3) Comprar coisas
O processo deste timeline vortex
resulta em pessoas que consideram a vida do próximo mais
interessante do que é de fato, recebem passivamente notícias
incompletas e não necessariamente verdadeiras nas quais baseiam suas
opiniões (qual foi a última vez que você clicou na notícia para
saber o conteúdo completo ao invés de ler somente o
sempre-bombástico-título?) e, em última instância, procrastinam.
As vezes em um movimento
“consciente” (“vou só dar uma olhada nas novidades rapidinho,
cinco minutinhos” e lá se vai duas horas da sua vida) ou em uma
auto-enganação (“uso as redes sociais para me atualizar nas
notícias, olha só, doença de chagas no feijão, todo mundo precisa
saber disso!”). O resultado final?
Sombras. Sombras projetadas na parede
da caverna, defendidas como verdades absolutas. Afinal, como definir
quando estamos usando as redes sociais para um fim positivo, e quando
estamos usando como uma “caverna”? Isso talvez seja uma pergunta
mais difícil de resolver. No estudo levantado, é dito que um uso
ativo, isto é, o de quem efetivamente cria e posta conteúdo na
rede, não afeta negativamente o humor do usuário. Mas será tão
simples quanto avaliar o humor do usuário das redes sociais?
Certamente é mais do que isso. O quão
ativamente você busca informação? Você busca referências? Vai
além do que lhe apresentam e falam? Clica nos hiperlinks do meu
blog? Interage com seres humanos que saibam do assunto? Evita a
procrastinação escancarada? Ou contenta-se em saber o que o Caue
Moura divulga no giro de quinta, enquanto chama quem assiste novela
de alienado?
Bem, neste último caso ao menos você
sabe do bebê que morreu de overdose de cocaína. Talvez a caverna não seja um lugar tão ruim assim.
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Onishiroi Shonin
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