sábado, 30 de março de 2013

Por você

Choveu aqui e ali
e molhou o homem na pedra.
Ele olhava o céu,
mas não via a chuva.

E a chuva molhou o chão,
a pedra e o mar.
Ele olhava a lua,
mas não via o céu.

E a chuva invocou o vento,
que soprou e cortou.
Ele ergueu a mão,
e a fechou.

E o mundo desabou
e caiu sobre o homem.
E ele continuou de pé
tentando puxar a lua.


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Onishiroi Shonin

domingo, 24 de março de 2013

Meta-poema

Os poemas, nesta vida
me pediram muita pouca
coisa.

Nunca pediram para ser
alegres. Ou tristes.
Ou amorosos.

Nunca pediram para ser
belos. Ou feios.
Ou métricos.

Por isso mesmo, não lhes
dei forma rima regra,
mal lhes dei poesia.

Nos recônditos da alma
(de um poeta)
os versos gritam somente
por dois anseios.

Uma casa de papel,
e visita.

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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 21 de março de 2013

Revirando o passado


O revirar e mexer
do passado distante
que traz, em seu rastro,
agonia constante.

A ciência do passado,
em si, já incômoda.
O mexer, procurar,
faz o corpo queimar.

Sobe pelo tronco em dor.
Forma um nó na garganta.
Força os olhos á fechar.
Os punhos se erguem...

e o espirro sai
de mexer na empoeirada gaveta.



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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 18 de março de 2013

Dia de chuva


Faz um dia lindo lá fora.
Está chovendo, é claro,
mas o cinza fúnebre
do mundo não lhe tira o belo.

Faz um dia lindo lá fora.
Estou dentro de casa, é claro,
mas o teto baixo, janela pequena
do mundo não lhe tira o tamanho.

Lá fora nasceu o sol que ninguém viu,
cantou o pássaro que ninguém ouviu,
soprou o vento que ninguém sentiu.

Faz um dia lindo lá fora.
Por baixo de todo esse veludo cinza,
o mundo continua sendo só o mundo.


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Onishiroi Shonin

quinta-feira, 14 de março de 2013

Loucura


Quando conheci existia
somente o sonho.
Muitos princípios.

Então houve olhos, passos,
calcanhares inquietos.
Temores e conquistas.

E eu conheci e me conheceu.
E foi intenso e suave
loucura.

Houve posse e desejo,
amor e respeito,
carne e anseio

e dançamos a música,
a falta de música,
acertamos, trocamos, erramos.

Sorrindo esquecemos do começo,
dos sonhos.
Só nós e poucos princípios.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 12 de março de 2013

Do cotidiano


As vezes, você registra alguém. Não é um grande reconhecimento, nem um grande evento. É algo bobo, e que costuma passar desapercebido. Ao longo de um dia típico, uma pessoa que vive no mundo moderno passa por centenas de pessoas, milhares se você trabalha no centro, e todas essas pessoas passam desapercebidas. Mas aí, algo acontece, e você registra alguém.

Algo bobo. Alguém que você ficou olhando na fila do supermercado, ou que estava no mesmo elevador que você na hora do almoço. Pode ser alguém que discutiu com o gerente na fila do banco, ou que correu atrás do ônibus. Ou simplesmente algo que aconteceu sem justificativa. Por algum motivo, naquela hora, você travou o olhar em uma pessoa e a registrou.

Nada demais até então. As vezes, até é deixado para lá. Só que, de repente, você começa a notar essa pessoa, no meio da multidão que atravessa sua visão todos os dias. Você nota quando a encontra sempre em um determinado lugar, fazendo uma determinada coisa. Não é uma obsessão, não é uma paixão ou outro tipo de observação minuciosa. Você só destaca essa pessoa no meio do mar de gente que vê. Dentre todas as pessoas que você vê todo dia, essa é a que você realmente nota.

E, sem que perceba, começa a descobrir coisas sobre ela. Não é que você pense no assunto, ou mesmo tente observar algo. É um conhecimento osmótico, aparece na sua mente sem que haja esforço. Simplesmente, você percebe que a determinada pessoa não come carne no restaurante que por acaso costumam se encontrar, ou que sente uma dor ao pisar com o pé esquerdo. Nota pelo crachá no elevador o andar no qual ela trabalha, ou qual a bebida favorita pelo que costuma ter no carrinho do mercado. Conhece sua voz, e as vezes alguns de seus temas prediletos. Enxerga como o tempo afeta as rugas do rosto, sabe se houve algum problema quando a pessoa para de sorrir ou mesmo estranha quando muda algo na rotina. Eventualmente, passa a saber mais sobre uma pessoa totalmente estranha do que sobre as pessoas que efetivamente vivem com você, mesmo nunca parando para conversar ou mesmo saber seu nome.

Até que, em um dia totalmente aleatório e sem propósito, você e essa pessoa cruzam o olhar, e só então percebe.

Você também foi registrado.



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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 6 de março de 2013

Seja o que for


A água caiu como mágica,
como se lavasse a alma.
Caiu suave, fina,
com nuvem, anúncio e dia.

A água caiu como fúria,
como tempestade, indúbia.
Derrubou abaixo ladeira,
levantou do fundo a sujeira.

A água caiu como água,
inocente, coitada.
Por alguns culpada,
por outros inocentada.

A água caiu.
Quem quis, viu o que viu.


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Onishiroi Shonin

terça-feira, 5 de março de 2013

Tem um palavrão no final.


A voz que falou foi trovão.
Alguns correram,
outros ficaram
imóveis de medo.

A mão que bateu foi tempestade.
Alguns sofreram,
outros de longe
só observaram.

A fúria que seguiu foi implacável.
Alguns morreram,
outros escondidos
em silêncio oraram.

Temeram a divina ira,
mas estava somente
chovendo pra caralho.



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Onishiroi Shonin

segunda-feira, 4 de março de 2013

Depois que o sol se escondeu


Não houve dedos,
somente mãos.
Não houve língua,
somente boca.

Não se dormiu,
nem descansou.
Não se parou,
nem repousou.

Houve voz,
mas não palavras.
Houve desejo,
mas não amor.

Até que o sol nasceu,
e houve nomes.



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Onishiroi Shonin

domingo, 3 de março de 2013

Sábado


Uma flor nasceu
no cinza-duro.

Não era bela
nem perfumada.
Mal tinha pétala,
desalinhada.

Tentaram lhe dizer
que era pedra.
Insistiu em se erguer,
que era bela.

Sofreu, chorou pisada.
Continuou, foi chata.

No sábado veio um beija-flor
e a conheceu.



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Onishiroi Shonin