terça-feira, 23 de abril de 2019

Puro caos

No cair da noite manifestamos
calma, mas desordenadamente,
nossos mais naturais impulsos.

Tiramos nossa roupa com as mãos
e a roupa de cama com os corpos.
Tiramos da mente, um do outro
toda razão.
No momento mais escuro da noite
fizemos nossa própria luz
e vimos, um no outro,
sentido.

Quando o sol veio,
tão depois,
dobramos os lençóis.


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Onishiroi Shonin

domingo, 21 de abril de 2019

A praia branca

O dia está tão lindo
que os autoproclamados locais
tiram foto com o sol.

Como se ele não estivesse sempre ali.

Os pais brincam com as crianças
na areia fofa, no mar calmo.

Nenhuma preocupação,
nenhum temor,
sob as barracas amplas,
pos aqui, nesta aqui,
a caravana não vem.

Os homens mal camuflados
com suas siglas de consoantes
garantem isso.

O dia está tão lindo...


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Onishiroi Shonin

quarta-feira, 10 de abril de 2019

As águas de Abril

Nós tentamos sorrir para o tempo
mas não deu tempo.
Veio a chuva forte
e acabou com a mentira de um ano
inteiro.

Uma chuva atípica, incomum
daquelas que acontecem quase
três vezes por ano
na mesma estação.

Nós tentamos fugir, correr do tempo
mas não deu tempo.
Veio a chuva forte
na pedra mole
e a derrubou.

Uma chuva atípica, como sempre.

E eu, que queria escrever poemas
de alegria, risos e amor
escrevo mais um poema trágico
datado, que perderá sentido
quando esquecida a tragédia.

Ao menos, até o ano que vem.


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Onishiroi Shonin

sábado, 6 de abril de 2019

Atrito

Porque quando movo os olhos
da esquerda para a direita
eles perdem velocidade
ao passarem por você.

Porque quando ando, atravessando
a invisível resistência do ar
paro, torno-me imóvel
quando passo por você.

Porque a constante vibração
das palavras múltiplas humanas
prende-se em meus sentidos
quando ditas por você.

Porque minha mente caótica
no contínuo devir de pensamentos
foca-se. Em uma única ideia.

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Onishiroi Shonin

terça-feira, 2 de abril de 2019

Uma prosa sobre o tempo

Escrever poemas é difícil. Já escrevi sobre isso em poemas. Mas não em prosa. E, fato, eu prefiro em verso. Mas as vezes é preciso prosear. Tem coisas que não podem ser ditas em verso, ou são, ao menos, difíceis. A prosa tem certa clareza e objetividade (quando não é Nietzsche que escreve) que a poesia, habitualmente, não tem (exceções se aplicam, inclusive minhas). E eis que tem algumas coisas sobre escrever poemas que tenho tido vontade de falar... mas apesar de ter muitos versos sobre, achei que faz sentido fazer uma prosa. Principalmente para quem me fala que quer escrever ou que escreve. Ou só tem alguma curiosidade sobre como funciona minha louca louca mente.
Eu comecei a escrever em 2001. Como a maioria dos poetas iniciantes, guardei quase tudo escondido do mundo. Mas um dia minha professora de redação viu. E disse que gostou. E a professora de arte. E os professores de história. E a garota que eu gostava. E... vou te ser sincero, quando leio esses primeiros poemas, eu agradeço os seres humanos serem capazes de mentir para agradar os outros, porque eram poemas horríveis. Mas essas pessoas me estimularam a continuar, e a mostrar o que fazia. E o que se segue disso... são coisas que eu gostaria muito de saber quando comecei, e só agora, uma vida depois, começo a entender. E são coisas que acho que cabem dizer.
Eu achava que poemas eram sobre palavras, vocabulário, métrica, rimas. Que poema era soneto. Ou epopeias. Hai-kais. Vinícius, Shakespeare, Pessoa. E.... em parte, é. Mas nada disso faz um poeta, ou, melhor, um poeta não faz nada disso. Escrever um poema encaixando palavras e sons é... possível. Mas não faz um poema, nem faz de quem faz um poeta. Não mais do que empilhar tijolos faria de um engenheiro um artista. Forma é importante. Mas arte... arte é um outro treco.
A maior parte de escrever um poema, ao menos para mim, é “olhar” o mundo ao meu redor com “olhos de poeta”. Observar o mundo e não somente tropeçar em, mas ativamente procurar versos. Assim, sem que eu percebesse, passei de uma criança que escrevia sobre o tempo, o amor e a felicidade, para uma criança um pouco mais esticada que escrevia sobre rosas que cresciam no asfalto, sobre as luzes do trânsito, o ar-condicionado que parava de funcionar... e sobre o tempo, o amor e a felicidade.
E sobre papel. Eu tenho muitos poemas sobre papel.
Essa forma de olhar para o mundo é... algo complexo. Se me perguntarem como aprendi, não sei dizer. Se me pedissem para ensinar, não saberia como. Mas eu sei que pode ser praticado. É como o olhar filosófico. Se você decidir que vai fazer isso, e se mantiver fazendo continuamente, eventualmente será difícil parar de fazer. E então os poemas surgem das coisas mais triviais e mais incríveis, como uma hora que a luz foi apagada e viu-se o reflexo de outra janela, ou de quando o trem bateu no poste. Se você fizer isso... o resto é fácil. Mas ISSO é difícil. Bem difícil. Difícil o suficiente para que seja algo como atravessar o impossível.
E, por isso mesmo, escrever é importante. Porque a experiência de ver essa coisa maravilhosa no trivial é extasiante. E a arte é uma forma de trazer essa experiência de volta para quem não a teve. E, frequentemente, com resultados diferentes para cada um. E que bom, adoro quando veem nos meus poemas algo que eu não tinha visto. Torna eles vivos, reais. Mais reais que eu mesmo talvez.
Mas... escrever é difícil. Quando comecei esse blogue em 2013 eu fiz, ao longo do ano, 53 publicações. Nem todas poemas. Em 2014 foram 29, depois 25 em 2015 e somente 11 em 2016.
E então eu parei. Não parei somente de publicar. Eu parei de escrever. Eu simplesmente não conseguia “ver”. Me deixei ser arrastado pelo prático, pelo necessário, pelo concreto. Quando colocava uns versos quaisquer no papel, achava-os horríveis e abandonava a ideia. À quem me perguntava, dizia que o poeta estava morto, e que talvez nunca mais escrevesse. E falava de outra coisa, como política e economia.
Então... então eu fui em um show do Nando Reis na rua. E fiquei na cara dele. E ele cantou, uma das primeiras vezes que o fez pelo que sei, “Rock ‘n’ Roll”. E daí... daí que voltei a ver as letras de Caetano e de Chico, a reler meus poetas favoritos (obrigado Fabio Rocha), meus próprios poemas favoritos e... a escrever poemas. E de uns tempos para cá, escrevo quase todo dia. Não, eu não publico tudo. Eu demoro para achar bom o que escrevo.
Para que então esse discurso longo e errático. Bem, porque também voltei a conversar com pessoas que escrevem. E essas pessoas me dizem que o que escrevo é bom, mas que tem tido dificuldade para escrever. Porque o mundo adulto é real para todos nós. E, como foi para mim, se veem deixando morrer dentro de si esses olhos que tudo veem no mundo.
Escreva. Se quiser escrever, escreva. Se não achar bom, escreva do mesmo jeito. E continue escrevendo.

Uma hora, os olhos se abrem, e torna-se impossível não ver. E aí dá para escrever até sobre política e economia.


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Onishiroi Shonin

Centro urbano

Mataram a grama
e cercaram as árvores.
Tiraram as cores do mundo
e "criaram" um bilhão para a tela.

Trocaram estrelas
por luzes de helicóptero
quando
(também)
mataram a noite.

No desespero da busca
por algo de natural e humano
tranquei-me no breu.

Entra pela janela uma luz,
mas não é da lua.
Somente a luz
de outra janela.


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Onishiroi Shonin