Como falar de certas coisas? Quando eu vi The Room eu pensei, após
o filme, longamente, sobre como o que foi visto não pode ser desvisto. E, The
Room foi uma das poucas coisas na vida que me deu essa vontade. É um filme que
meio que tira sua fé na humanidade, que dá um vazio no coração e uma dor. Faz
você perguntar o que está fazendo com sua vida para ver um filme desses.
Aí eu vi Birdemic. Em uns cinco
minutos de filme já estava querendo ver The Room novamente. Sei lá, umas oito
vezes, fácil.
Birdemic tem todas as coisas ruins que um filme poderia ter
se tentasse. Eu vi peças escolares em que todos os atores estiveram obrigados a
participar que tinha melhor interpretação. Além de que... bem, vamos por
partes.
A primeira coisa notável do filme é que não existia um cameraman.
Aparentemente o diretor aprendeu o botão que ligava a câmera e considerou
suficiente. Isso porque existe falha de foco, a gravação se move quando não
precisa e fica fixa quando poderia se mover e... bem, não existe enquadramento.
A segunda coisa notável é meio que um colateral disso. Não existem microfones.
O fone utilizado é o da câmera. Com a captação de todo o ruído da cena, pois
não havia isolamento. E isso gera situações que dão a mesma sensação de quando
alguém arranha o quadro negro. De novo. E de novo. Porque toda vez que a câmera
muda, você SENTE o áudio no fundo mudando. E, claro que um filme sem cameraman
e sem microfones não tinha um técnico de edição. Então muitos diálogos ocorrem
assim:
*câmera fica na direção de um personagem. Ruído 1 no fundo*
*passam três segundos*
*personagem fala uma frase, talvez inaudível por causa do
ruído. A câmera balançando faz uma parte ficar mais alta que a outra*
*passam mais dois segundos*
*câmera muda de personagem, com um audível CLIQUE da
transição de ruído de fundo, e você passa a escutar um ruído de fundo
completamente diferente*
*passam mais três segundos*
*personagem subitamente sorri, faz ha... ha... e fala uma
frase, ininteligível*
*mais três segundos*
Praticamente todas as linhas são assim. Mas os diálogos não
são o importante, porque 60% do tempo do filme é... um carro andando. Não, não
aquela cena acelerada dos carros passando para dizer que o tempo passou. Um
carro andando. Existe uma parte na qual o personagem principal (definido como
referência somente porque o carro não candidatou-se) sai de casa. Vai até o
carro. Desliga o alarme. Abre a porta. Entra no carro. Fecha a porta. Liga o
carro. Engata a marcha. Manobra para a rua. Dirige pela rua. Faz uma curva.
Anda por um tempo. Para em um posto. Abastece o carro (com uma pausa da câmera
no preço da gasolina por uns 20 segundos). Volta a dirigir. Anda mais um pouco.
Mais um pouquinho. LIGA A SETA (quando você viu um carro ligar a seta EM UM
FILME!!??). Faz outra curva. Anda mais um pouquinho. Para. Desliga o carro.
Abre a porta. Sai do carro. Fecha a porta.
Caso tenha parecido muito devagar e pausado... é porque é
mesmo. Este personagem parece o robocop após um acidente grave fazendo
fisioterapia. A fisioterapia é apenas um paliativo contudo, ele não tem cura
mas dizem para ele que ele tem e então ele acredita.
O autor diz que o filme é um Romantic Thriler. Não só é
nesta ordem como a definição de romantismo dele vem de uma mistura de filme
pornô (sem o sexo) junto com lendas urbanas de ladrões de rim. Quando o
personagem principal aborda a sua contraparte romântica do filme pela primeira
vez, além de contracenar com a melhor atriz do filme (entre outros porque logo
percebeu que o que estava fazendo era absurdamente ruim e passou a se divertir
com isso), LITERALMENTE parece um filme pornô ruim sobre ladrões de rim. Até as
partes que não são dele interagindo com ela parecem tiradas de um daqueles
livros de literatura erótica que vende nas bancas de jornal, sem o erotismo
(incluindo o amigo do personagem principal que quando ouve que ele está saindo
com uma garota mas ainda estão "somente se conhecendo" utiliza a
épica frase "Um dia
sem sexo é um dia perdido").
Um outro ponto muito complexo do filme é o tempo. Não existe
marcação clara de passagem do tempo. O que vemos é que o personagem principal
conhece a menina, depois trabalha e faz um super negócio no trabalho. Algumas
cenas depois a empresa é vendida por um bilhão de dólares (sim, um bilhão, com
b) e, como acionista, ele ganha uma participação desconhecida. Logo depois ele
aparece vendo TV em casa, e em todas as vezes que a TV aparece é para um
noticiário (não vou comentar a qualidade desses noticiários, faltam-me palavras
para isso, e eu lia dicionários para passar o tempo) falando de desgraças por
causa do aquecimento global. Logo depois ele compra um painel solar para sua
casa. Na cena seguinte ele tem uma startup que tem uma tecnologia incrível para
fazer painéis solares que custam 20 vezes menos do que o que ele acabou de
comprar, e convence investidores a injetar 10 milhões de dólares na startup
(lembrando que logo antes ele recebeu uma parte não discriminada de 1 bilhão).
E ainda logo depois ele está conversando com Nathalie, a sua contraparte no
Romantic do filme, falando que a conheceu há apenas uma semana.
Resumindo:
Em SETE dias esse cara:
Fez o melhor negócio da sua vida na empresa.
A empresa foi vendida por um bi.
Criou uma consciência ecológica vendo tv.
Comprou um painel solar de US$ 19.000,00 (ele consegue um desconto
de 1k)
Monta uma startup para fabricar painéis solares.
Desenvolve uma tecnologia 20 vezes mais eficiente que os
painéis solares do mercado.
Consegue um venture para sua startup de 10 milhões.
Conhece
a mãe da sua namorada (nem citei isso, porque a mãe consegue ser pior atriz
do que os carros. Aliás, o link nesse caso foi comentado).
Não faz sexo, nem rouba rins. Got me.
O filme tem também no meio disso um encontro duplo (porque
calha da melhor amiga da garota ser namorada do melhor amigo do herói, o Sr.
dia sem sexo = dia perdido... aliás, essa dupla é um copy-paste de Jhon Lennon
e Yoko, pois a garota é oriental e eles adoram falar de paz e de sexo,
incluindo uma cena de... a gente finge que é sexo, mas... não. Enfim. Em uma
cena dessas a câmera fica trinta segundos olhando um cartaz escrito IMAGINE
PEACE. Cheguei até a achar que era o nome de uma empresa, sei lá), uma cena de
"dança" de três minutos (não entende o que tem de errado? Lembra
quando falei da performance do personagem principal, robocop, fisioterapia?
Consegue imaginar isso dançando? Nem ele, que ficava tentando virar a cara para
a câmera não velo, e fazia o proverbial "nada estalando os dedos".
Ouvindo uma música que deveria tocar na prisão como tortura
e todos teriam medo de serem presos para sempre)... um comentário sobre um
filme que só eles viram que cria consciência ecológica, um show de abóboras
e... outras coisas do gênero.
Então, subitamente, o casal principal decide que é hora de
conhecerem-se biblicamente. E apesar de ambos serem pessoas solteiras, com suas
próprias belas e grandes casas, decidem fazer isso em um motel digno dos filmes
de Hitchcock. Nessa hora eu pensei que finalmente ia rolar a cena de roubo de
rim que o início prenunciou. Mas ocorre só uma cena de "vamos fingir que é
uma cena de sexo". Provavelmente esta cena é utilizada no treinamento de
padres para estimular o
celibatismo. E aí...
A cena seguinte mostra a cidade do alto, com várias...
águias ou algo assim, eles foram feitos com efeitos especiais que... bem,
lembram os patos de duckhunt. Fazem um som parecido também. ENFIM, a cena
mostra esses bichos voando de um lado para o outro e... de repente um deles se
lança para o chão (com um VROOOOOOMMM que lembra os aviões em jogos de Atari) e
EXPLODE! FUCKING
KAMIKAZIS-EXPLODING-EAGLES(thingies)!!! DEER LORD!
Após várias explosões com efeitos èspécïâís, os personagens
acordam com uma águia bicando a janela (elas perdem a capacidade de explodir
perto dos personagens principais). Os personagens, após evitarem a entrada da
águia barricando a porta com a cama, decidem... sair. Afinal, não está seguro
ali dentro. E a bateria do celular deles acabou e não podem pedir ajuda. Mas,
claro, o personagem principal não consegue encontrar as chaves do carro, de
forma que ele bate na porta de um vizinho. Vizinho de quarto de Motel. Um casal
de vizinhos que não é o casal de amigos deles. E que convenientemente possuem
uma van com cara de pertencer ao século anterior ao passado. E que também acham
que é uma boa idéia sair daquele lugar seguro. E que, para evitar as águias no
caminho até o carro decidem que precisam de armas. E então armam-se com
cabides.
Eles ficam balançando cabides no ar, contra águias mal
feitas que eles não conseguem ver (isso nunca foi tão notável) até o carro e
então saem dirigindo. Frequentemente com as janelas abertas porque as águias
não gostam de atacar vans. Ah sim, eu não falei que dentro da Van desse cara
tinha um fuzil e uma pistola, além de aparentemente balas suficientes para o
apocalipse zumbi né? É um filme americano, claro que eles andam com armas
automáticas nas suas vans. O indivíduo também é um ex soldado que lutou no Iraque
e cansou-se de toda a matança, para o filme ter outra chance de falar de paz e
alguém usar a frase “Why don’t we give peace a chance?”. No meio do apocalipse.
Claro.
Daí em diante... como disse, é um Romantic Thriller, nessa
ordem. Então o Romantic acabou, porque já, supostamente, houve sexo, e ocorre
apenas Thriller. A definição de Thriller do autor do filme envolve:
- Carros dirigindo bem devagar. Frequentemente por estradas
que eles não podiam bloquear para filmar um filme Z então outros carros ficavam
passando ao lado normalmente.
- Paradas para reabastecer e pegar lanches em lojas de
conveniência. Não, nunca pensam em estocar suprimentos porque o apocalipse zumbi
pássaro está acontecendo, eles só param quando ficam com fome mesmo.
- Cenas dos dois homens atirando para cima e de pássaros
morrendo as dúzias. Realmente acho que eles roubaram as cenas dos pássaros
morrendo direto de Duck
Hunt.
- Picnic ao ar livre. Sim, durante o apocalipse pássaro.
Não, eles nunca vão para casa. Nem pensam em ver a mãe da personagem principal.
- Uma conversa com um cientista que sabe que o aquecimento
global fez os pássaros ficarem com gripe aviária, mas não faz idéia de porque
eles ficaram violentos. Mas também sabe que evidências indicam que isso já
aconteceu na era dos homens das cavernas e os pássaros arrancavam os olhos das
pessoas, as vezes deixando-as feridas e voltando para matá-las apenas depois.
No filme elas só matam mesmo.
- Crianças comendo doces.
- Carros andando.
- Abastecer o carro.
ANNNNND, that’s pretty much it. THRILLING. Após algum tempo
pessoas morrem, uma atacada por um pássaro enquanto... bem, decide sair da Van
para cagar. Não pode ser utilizados outros termos uma vez que o diálogo que
transcorre é:
Nem as pornôs
chanchadas brasileiras (cenas fortes) conseguem vencer esse diálogo! Algum
tempo depois, em outra morte, descobrimos que os pássaros tem a capacidade de
CUSPIR ÁCIDO (ou ao menos é o que eu e muitos outros acreditam. Apenas olhando
a cena não sei se foi isso ou alguém decidiu jogar um balde de molho de
galinha nas pessoas de repente). Mas sem problemas, eles nunca mais fazem
isso. Tem também uma pausa numa floresta aonde encontramos um hippie protetor
das árvores, com mais um discurso de como o aquecimento global está acabando
com o mundo. Mas somos interrompidos pelo rugido de um leão da montanha (!), e
na fuga a floresta começa a pegar fogo (!!) em vários lugares ao mesmo tempo
(!!!), totalmente em efeitos especiais (!!!!).
Mas e aí? Bem... para o clímax do filme... as águias vão
embora. Assim, simplesmente. Elas chegam a um consenso “Ei, acho que eles já
entenderam o recado. E esses caras são legais, ele acredita em energia verde.
Vamos migrar?” e vão embora. Ao fim, a cena dos sobreviventes na praia olhando
o mar durante quatro minutos quando passam os créditos chega a ser um alívio.
Ainda me espanto mais ao perceber que, apesar de menos qualidade que as fitas
de meu aniversário de seis anos, o filme é de 2010 (e, sim, eu já não tenho
seis anos faz muito tempo). Digo mais.
Existe um Birdemic 2. Se eu não voltar em duas horas, a
sequência derreteu meu cérebro. Ja-ne folks.
______________
Onishiroi Shonin
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