Eu amo os números e estatísticas
nos quais me regalo pelas notícias
todos os úteis de minha vida dias.
Tenho prazer em manipular palavras,
como um senhor do universo, usá-las.
Dentro do meu terno e sua risca de giz
contudo, permaneço absolutamente infeliz.
Porque eu chego em casa ao fim
e não encontro você, simples assim.
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Onishiroi Shonin
terça-feira, 26 de abril de 2016
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Você elegeu o impeachment
Hoje eu quero falar com você sobre
uma coisa séria. Você talvez esteja comemorando a votação dos deputados. Talvez
você esteja revoltado. Talvez você decida ignorar. Talvez você proteste dizendo
que 513 deputados não podem tomar decisão por 190 milhões de brasileiros. Pois
bem. Eu queria dizer que o que aconteceu na câmara este domingo é exatamente o
resultado do seu voto. E do meu. E também do voto de quem não votou. Não está
fazendo sentido? Eu entendo, é por isso que escrevo muito. Gosto de detalhar
tudo. Então vamos explicar.
É necessário entender um pouco da
estrutura política do nosso país, algo que, assustadoramente, é ignorado pela
maioria absoluta da população. Eu mesmo não sei tanto assim, apenas sei o
bastante. Nosso governo é um sistema montado por um povo que saiu de uma
opressora e absolutista ditadura. E por causa disso, é um sistema que dá amplos
poderes a vários poderes para poderem restringir os outros poderes (bizarro
né?). A idéia final é: Ninguém consegue guiar o país para lado nenhum sozinho,
não importa aonde esteja. Algumas posições tem uma autonomia relativamente
maior, como os prefeitos. Mas o/a presidente? Quase toda proposta dele/a
precisa ser aprovada pelos deputados. Ele/a pode usar artifícios para impor sua
vontade, como as medidas provisórias. Contudo, elas podem igualmente ser
vetadas pelo congresso. Além disso, muitas votações do congresso funcionam pelo
sistema de maioria absoluta, ao invés de maioria simples. Isso significa que
muita coisa precisa de 2/3 dos deputados para ser aprovada, ao invés de somente
metade. Assim, negar algo é muito mais fácil do que fazer algo. Claro, a
presidência tem alguns poderes diretos, como a indicação dos ministros, que
possuem poderes significativos, e outros cargos relevantes. Contudo, o ponto
importante é: Sozinho/a, um presidente/a não consegue fazer NADA.
Em função disso, junto com a
existência de 35 partidos ativos (e mais 20 querendo existir), a única forma da
máquina política funcionar é com a câmara, o senado e o/a presidente entrando
em algum nível de consenso. Se um grupo de deputados decidir que um presidente
não governará, mesmo que eles não sejam a maioria, eles conseguirão, porque
meramente por votarem contra conseguem impedir a maioria absoluta. Em um
cenário IDEAL isso significa que as eventuais propostas caminharão para um meio
termo. No cenário NÃO IDEAL, significa que um grupo disposto consegue quizumbar
a porra toda.
As vezes é difícil saber a
diferença, quando o povo elege o Tiririca.
Aham. Esse processo de consenso
manifesta-se já nas eleições. Dois partidos grandes preferem aliar-se a
brigarem, porque não só possuem mais condições de ganhar uma eleição com seus
votos combinados, como também conseguem direcionar o governo para algo no meio
termo do que ambos acreditem. Separados, não poderão nem elegerem-se, nem
governar. Assim, vemos as chapas sensacionais nas eleições que combinam alguns
partidos grandes e uma dúzia de pequenos cada. Quando então votamos no
candidato dessa chapa, votamos não só numa pessoa ou num partido, mas em toda a
coligação envolvida.
Acompanhou até aqui? Ótimo. Agora
vamos falar de uns números, ok?
Um argumento que tem sido muito
usado é que o PT foi o partido que chegou ao poder na figura do presidente, e
que o PMDB, seu ex-aliado, nunca teria sido capaz de chegar lá. Pois bem, vamos
considerar o seguinte. No presente momento, existe na câmara dos deputados 70 membros
do PT (Lula), 66 do PMDB (Temer) e 54 do PSDB (Aécio), sendo estas as três
maiores bancadas (a quarta, PSD, já tem “somente” 36 cadeiras). Essa
aproximação dos números deixa bem claro que:
1) O
PMDB possui uma participação expressiva, logo, recebeu votos de forma
expressiva.
2) A
divisão partidária na última eleição foi enorme. Essencialmente, quaisquer dois
desses três partidos que decida quizumbar tem como impedir completamente o
governo de fazer qualquer coisa.
Segundo ponto sobre a “votabilidade”
do partido Temer. Uma forma interessante de saber quantos votos um partido tem
é simplesmente ver quantos afiliados ele possui. Afinal, quanto mais engajamento
direto um partido consegue atrair, maior é, por extensão, o alcance popular que
ele tem. O Brasil tem 6 partidos com um número de filiados entre 1 milhão e um
milhão e meio. O PT possui 1.588.528 filiados. O PSDB, quarto em número de
filiados, tem pouco mais de um milhão e quatrocentos mil filiados, pouca
diferença. Contudo, o primeiro lugar é do PMDB com 2.374.909. Uma larga
vantagem.
Terceiro ponto. Já podemos assumir
que o PMDB possui um forte cabo eleitoral. Contudo, não lançou um presidente,
ao invés disso, apoiou o candidato PT, em uma chapa cujo nome já esqueci, e em
troca disso ficou com a vice-presidência. Se por um lado eles não conseguiriam
eleger sozinhos um presidente, o PT igualmente não conseguiria sozinho. Embora
não haja uma forma de levantar uma estatística precisa que permita dizer
quantos eleitores da Dilma eram PMDebistas, levando em conta os dados acima, e
a incrível proximidade que os candidatos finais ficaram na eleição
presidencial, podemos concluir que o apoio deles definitivamente elegeu o PT.
Contudo, alguma coisa aconteceu,
eles brigaram, e a coisa desandou. E aí começa a ficar complicado. Mais
complicado. Isso porque, como falei, a eleição foi extremamente apertada. Razão
pela qual a câmara possui três poderes com números tão próximos. Para o governo
ocorrer é preciso que dois desses três poderes entrem em consenso e ainda
consigam convencer uma boa parte dos outros partidos com pequenas participações
a segui-los. E como são MUITOS partidos, fica mais e mais difícil agradar
tantas ideologias diferentes. Uma das formas que o PT tentou para resolver isso
foi com os ministérios, criando múltiplos para dar cargos de poder para todo
mundo e conseguir o apoio. Outra foi o mensalão. Mas desse eu falo depois.
Então o país parou. Entenda. Sim,
muita coisa errada no campo econômico foi feita no passado. Contudo, um
agravante foi que, quando a bomba explodiu e decisões precisavam ser tomadas, o
governo estava parado porque ninguém concordava com ninguém. E a culpa disso é
nossa, porque não conseguimos também nos decidir na hora de votar. O corpo
político de um país é meramente a extensão de seu povo. Seja por quem votou a
favor, contra ou absteve-se, o resultado de nossas múltiplas ideologias sem
acordo comum foi um governo sem acordo. E cerca de um ano e meio solto no mar
com ninguém conseguindo mover o leme.
Nessa situação de estresse, veio o
impeachment. Novamente, vale lembrar como ele está ocorrendo. A base legal do
impeachment (já notou que impeachment quer dizer “Eu sou pêssego menta” em
inglês?) em curso é... frágil. São argumentos válidos, mas fracos. As acusações
envolvem ou coisas que não ocorreram neste mandato, ou coisas que são ambíguas.
As pedaladas fiscais são uma coisa interessante (se você não sabe o que é pedalada fiscal ainda, pergunta que eu faço um texto sobre isso). Ocorreram? Sim, ocorreram.
Contudo, sempre ocorreram, e nunca foram consideradas como um crime de
responsabilidade fiscal. Levantar isso como um argumento agora é forçar um
pouco a barra. Contudo, foi feito. E porque foi feito? Por golpismo?
Não. Foi feito pela necessidade de
consenso no governo. Para o país continuar, precisamos encontrar algo com o que
2/3 dos deputados concorde, e 51% dos senadores. E, pelo andar da carruagem, a
única coisa que conseguiu isso (ainda não sabemos do senado mas...) foi o
impeachment. Não que isso seja garantido, porque mesmo que Dilma caia e Temer
assuma, ainda tem gente o bastante desgostando dele para arriscar ele cair
também... consenso não é bem a palavra de ordem. E cada um que votou esse
domingo foi eleito pelo seu voto (ou pela falta dele) e com isso recebeu de
você o poder de exercer a SUA vontade. O que leva a outro argumento absurdo...
Várias pessoas, inclusive deputados,
argumentam que a câmara não tem o direito de votar o impeachment e que somente
uma nova eleição deveria fazer isso. Esse argumento é tão bom quanto a de que
tudo que é votado na câmara deveria ser votado por todo o povo nas urnas. O
motivo pelo qual elegemos deputados, senadores, vereadores e etecetera é
justamente escolher pessoas que estejam alinhadas com nossos valores e os
exerçam na administração pública, enquanto voltamos nosso tempo para outras
atividades, como se matar de trabalhar para pagar a escola da filha.
O que, mais uma vez, diz muito
sobre um povo que vota no Tiririca.
Então, se você tem muitas opiniões
sobre o que está acontecendo na câmara, saiba que é conseqüência DIRETA de
nossas escolhas na urna. Quando eu votei, sabia que quem fosse eleito teria um
governo difícil e quase impossível, porque a divisão pública era tangível.
Assim como argumentei para quem me perguntava da Marina na ocasião que, mesmo
que por uma aleatoriedade ela fosse eleita presidente não possuiria governabilidade
nenhuma, uma vez que muitos de seus eleitores na ocasião não eram genuínos
partidários dela, e estavam elegendo representantes de outros partidos,
enquanto que a própria não possui (ainda...) a articulação política para ter
muitos aliados. Neste momento, precisamos de articulação política, porque até
para decidirem afundar o país de vez precisam de consenso. E, absurdo seja, com o
tamanho do PMDB e com a articulação política que possuem (você não conhecia o
Temer? Engraçado, quase todos os políticos conhecem), sejam possivelmente
capazes de conseguir isso.
E... maldito é o povo que tem como
mestres políticos Temer, Cunha e Calheiros. Nem cito o Maluf, é um mito a parte. Mas querendo ou não, isso é culpa
nossa.
Antes de finalizar, sempre é bom
lembrar. Você sabe em quem votou? No site da câmara você pode ver tudo que ele
propôs, votou e fez: http://www2.camara.leg.br/
Pode também usar as interfaces para falar com ele/a, se quiser propor ou cobrar
algo. Tem muito mais chance de funcionar do que reclamar no face. Se você votou
numa legenda partidária, como eu, tente acompanhar a direção que seu partido
está seguindo ao menos. Interesse-se.
Ou então, claro, você sempre pode
escolher deixar isso de lado. Mas se for fazer isso, por favor, pare de ficar
dizendo #ÉGOLPE #NÃOÉGOLPE por aí como se não tivesse nada a ver com isso.
Referências para os números utilizados:
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/10/veja-os-deputados-federais-eleitos-por-estado.html
http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/filiados
http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos
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Onishiroi Shonin
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