terça-feira, 29 de março de 2016

Petrobrás, Lava-Jato, Fifa e... máquinas de lavar



A recente onda de prisões e escândalos feita pela Lava-Jato no Brasil levou uma série de pessoas a levantarem bandeiras contra a corrupção. Nunca na história deste país tantos casos de desvio de recursos públicos e privados fez-se tão evidente. Com isto, existem aqueles que acreditam que nunca se roubou tanto na história, ou que até mesmo acreditam que governos anteriores não foram tão corruptos (para quem acredita nesta última premissa, uma informação assustadora: Os ovos de chocolate que você recebeu não vieram do coelhinho da páscoa, sua mãe que comprou). Contudo, para quem compreende que SEMPRE houve corrupção e, mais especificamente, sempre houve crime na história da humanidade, cabe a pergunta: Porque de repente tantos casos de corrupção apareceram na mídia?
Para começar, é necessário observar que a tendência em questão é global. É fácil ver somente a lava-jato e esquecer o que ocorre no mundo, mas uma pesquisa rápida demonstra que, nos anos recentes (e por recentes digo um período de três a seis anos) houve investigações bem sucedidas de casos de corrupção envolvendo políticos na França, Malásia, Brasil, Itália, Fifa (sejamos honestos, membros da Fifa contam como políticos), para listar alguns. O que mudou então para que de uns poucos anos para cá tenha ocorrido uma explosão de investigações de corrupção, e elas tenham cada vez mais terminado em prisões? Para poder explicar isso terei de voltar alguns anos no tempo e falar sobre o problema mais clássico e eterno de todo criminoso. A lavagem de dinheiro.
Lavagem de dinheiro é a parte mais complexa de quase todo crime. Pense assim. Uma pessoa pode roubar um banco e, da noite para o dia, passar de pobretão para milionário. Contudo, ter milhões em dinheiro vivo dentro do armário só tem utilidade se você pode gastar esse dinheiro. Se essa pessoa que vivia em um conjugado alugado repentinamente compra uma cobertura no Leblon, imediatamente será levantada a questão da origem do recurso. Se a pessoa não consegue dar uma explicação justa e legal (legal juridicamente, não legal bacana), infere-se que o recurso tem origem ilegal e investigações começam. Lavagem de dinheiro então é o processo de pegar esse dinheiro do crime e dar a ele uma origem honesta e justificável. O termo “Lavagem de dinheiro” tem origem não confirmada e quase pitoresca. Alguns alegam que ainda no tempo em que quase toda transação era em notas e a falsificação de notas ainda era uma coisa comum (hoje isso é mais raro, pois não só é muito mais difícil a produção como as notas são muito mais controladas). Para evitar que as notas fossem identificadas como falsas, seus “fabricantes” supostamente colocavam as notas em máquinas de lavar roupa, pois após uma ou duas rodadas na máquina as notas saíam com aparência de velhas e desgastadas. Como notas velhas chamam menos atenção que as notas novinhas, elas eram mais fáceis de passar desapercebidas (similar ao antigo processo de “grilagem” no Brasil para dar validade a documentos falsos criando uma aparência de antigos). Outra hipótese, já mais complexa, é a de que muitas redes criminosas utilizavam estabelecimentos de lava-roupas com objetivo de criar origem para os recursos. Este caso já é confirmado como real e cabe explicar como funciona.
A idéia é simples, mesmo que a execução seja complexa. O criminoso, no próprio nome ou em nome de um laranja (termo técnico para testa-de-ferro. Sério, é um termo técnico) abre uma loja relativamente pequena, como uma lavanderia. Esse empreendimento é interessante porque exige pouco investimento, apenas o aluguel de um local e a compra de algumas máquinas de lavar, então o dito criminoso consegue fazer isso com uma justificativa de que tinha esse pequeno recurso originalmente. A partir de então a dita loja gera uma certa receita X. Contudo, como as transações comerciais dessa loja ocorrem todas em dinheiro vivo, não existe um produto final entregue que possa ser contabilizado nem registros claros, é fácil para o dono desta loja declarar uma receita maior, digamos, 2X. Claro, ele pagará impostos sobre esse valor, mas poderá incorporar parte daquele dinheiro ilegal no seu patrimônio com uma origem “honesta” de forma que não gere suspeitas. Lavanderias continuam sendo muito utilizadas para lavagem de dinheiro, mas igualmente são várias outras atividades que utilizam principalmente dinheiro vivo em suas transações e/ou não tenham um produto final tangível e contabilizável. Por exemplo contrário, é praticamente impossível lavar dinheiro com uma indústria de bebidas no Brasil, uma vez que é fácil controlar quantas garrafas de determinada bebida podem ser produzidas com base nos insumos comprados pela empresa, como também uma lei exige a instalação de máquinas que contam quantas garrafas são produzidas de cada bebida, máquinas estas controladas pela Casa da Moeda. Assim, inflar a receita de uma indústria de bebidas exige adulterar e subornar muita gente, além de grande investimento inicial na fábrica em si. Em paralelo, negócios muito simples para lavagem de dinheiro envolvem táxis, aonde basta comprar alguns veículos (possivelmente usados e possivelmente também de origem ilegal), algumas licenças de taxímetro e pronto. Faz-se uma rede e, como muitas corridas de táxi ocorrem em dinheiro, é fácil fingir corridas que não existiram. Outras formas simples são lava-jatos (como ocorreu em Braking Bad), ourivesarias e joalherias, empresas de consultoria, bingos e cassinos, botecos e assim por diante. Contudo, como falei, este processo é absurdamente complexo, muito mais do que o próprio crime. Pense um pouco e você poderá lembrar pelos filmes que já viu quantas histórias de criminosos sendo presos envolvia esse processo. Scarface e Al Capone são alguns bons exemplos. O processo de lavagem de dinheiro é complexo não só por seu custo e processo, mas também porque, mesmo que seja executado corretamente, possui limites. Em Breaking bad existe o momento no qual Heisenberg possui mais dinheiro sujo do que poderia lavar em toda uma vida. Se cometesse o erro de colocar números altos demais no lucro falso do lava-jato, despertaria suspeitas e acabaria sendo pego. Similarmente, muitas investigações da operação lava-jato chegaram em pessoas que tinham recursos muito elevados vindo de consultorias que não tinham porte nem serviço para tal e, assim, despertaram atenção.
Ok, agora que conversamos sobre o básico da lavagem de dinheiro, voltamos a pergunta: O que houve que, de três, quatro anos para cá, tanta corrupção foi descoberta no mundo? Existe uma série de motivos, que foram encadeando-se e gerando uma bola de neve. A primeira causa, e que compõe uma constante eterna, é a simples digitalização do dinheiro e a facilitação do controle. A cada dia menos dinheiro circula em moeda e papel, e mais circula digitalmente. Se por um lado é fácil dizer que foram recebidas mais notas em uma corrida de táxi, não é possível dizer que houve mais pagamentos via cartão de crédito, uma vez que é fácil conferir se houve a contra parte da operação. Igualmente, vários produtos e serviços possuem pequenas taxas embutidas no seu controle que permitem saber o que foi produzido ou vendido, como o imposto sobre cada garrafa que comentei antes neste texto. Transações financeiras, de transferência entre contas até a venda de ações igualmente gera informes, comunicados e controles que podem ser acessados pela receita, alguns nem precisando de quebra de sigilo bancário. Este aumento de eficiência do controle por si só já melhorou em muito a capacidade de rastrear eventos de lavagem de dinheiro. Contudo, isto somente não seria o bastante. Muitos casos que começam com esse processo de investigação de lavagem de dinheiro não eram capazes de chegar ao crime original, apenas descobrindo dinheiro de origem duvidosa, sem a confirmação final, e terminavam com multas inibitórias ou pagamentos vultosos de imposto, mas sem outra conclusão. No máximo conseguiam prender um testa-de-ferro, que no fim estava lá para isso mesmo, e raramente conseguia se chegar à pessoa final que originou e recebeu estes recursos.
Curiosamente, um segundo ponto crucial para o avanço do combate à corrupção foi... a crise. Da mesma forma que quando uma pessoa encontra-se com falta de dinheiro ela busca notas embaixo do colchão e lembra daquele empréstimo de cinco anos atrás para decidir cobrar e tentar algum retorno, os países também começam a procurar dinheiro em todos os cantos. Isso fomenta as atividades de recuperação de recursos, o que inclui a busca por esse dinheiro sujo que passou pela máquina de lavar. Essa busca, contudo, mira no volume grande, nos desvios milionários, e poucos são maiores do que os que ocorrem em desvio de dinheiro público. Ao rastrear esse dinheiro, contudo, sempre chegava-se ao mesmo impasse. Podia-se ter evidências de que uma pessoa obteve dinheiro ilícito, mas, para confirmar, esse dinheiro precisava ser rastreado. E ao rastrear o dinheiro destes “big players” normalmente tropeçava-se nos mesmos problemas: Os paraísos fiscais. Paraísos fiscais são, essencialmente, países ou territórios com leis muito fracas de controle de recursos, ou mesmo inexistentes. Se no Brasil eu preciso preencher milhões de formulários e ter dados comprovados em inúmeras fontes caso eu subitamente surja com uma mala cheia de dinheiro querendo abrir uma conta no banco, nas Bahamas, em Mônaco e na Suíça, não. Não só podia abrir essa conta como esses lugares garantiam meu sigilo. Se um governo perguntasse em qualquer um desses países se eu tinha conta e exigisse a quebra do meu sigilo fiscal eles simplesmente negariam. Ponto. Entenda, eu poderia entrar em um banco suíço baleado, com uma camisa na qual estivesse escrito “Mafioso e orgulhoso” e armado (a arma ficaria na recepção, claro), depositar uma mala de dinheiro, alguns diamantes e o título de uma casa, e nada seria me perguntado, desde que eu pagasse os custos elevados deles. E... sim, os outros países reclamavam. Porém, não podiam fazer muita coisa, afinal, esses paraísos fiscais são países soberanos e donos das próprias leis. Aliás, não são chamados de paraísos a toa, uma vez que esses lugares constituem países ricos que vivem basicamente de bancos e turismo. Uma vez que milionários do mundo todo possuem seu dinheiro nestes locais e eles só podem usar o dinheiro lá, são normalmente paraísos turísticos além de fiscais. Não havia real pressão para essas informações bancárias, e era aceito o lugar destes paraísos fiscais no mundo, com algumas sanções leves.
Até 2010. Como disse, a crise pressionou muitos países a buscarem recursos aonde pudessem, e todos sabiam que havia muito dinheiro escondido nestes paraísos. E começaram a pressionar mais e mais por estas informações. Além de acusações diretas de bancos suíços participando diretamente de crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, cabe notar o fato de que esses próprios países sofreram bastante com a crise. Uma vez que suas maiores receitas provinham do sistema bancário e de turismo, suas receitas foram abaladas sem grande capacidade de recuperação. E outros países aproveitaram a oportunidade para apertar esses paraísos. Em Março de 2010 os Estados Unidos oficializaram a legislação apelidada de FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act). Essa lei diz, entre outros, que os outros países deveriam informar para a receita federal dos estados unidos a existência de contas em instituições financeiras de qualquer cidadão americano. Caso contrário, sofreriam sanções pesadas. Outros países não só começaram a aderir ao FATCA, como debateram acordos de mútua ajuda no processo. Assim, não só passaram a informar as movimentações dos americanos para os EUA, mas também receber de volta informações sobre seus cidadãos em solo americano. A seriedade desse processo foi tal que a Suíça aderiu ao FATCA. Com isso, mesmo que uma pessoa solicite ao banco sigilo bancário, ainda assim os bancos suíços informam o número de contas e o valor total delas. Quem permite a liberação de dados concede praticamente acesso total de suas movimentações para a receita americana (não acredita? http://bit.ly/1UzHc9p direto de jornal suíço).

Contudo, a partir do momento que “pequenos” criminosos e empresários são revelados por estas contas, igualmente ficou possível localizar grandes somas ocultas por corrupção em esquemas políticos e grandes empresas. Antigamente, bastaria todos negarem, e jamais poderia se provar os pagamentos alegados por Alberto Youssef para os políticos. Antes, jamais saberíamos se o Cunha realmente recebeu dinheiro porque não receberíamos a informação das contas na Suíça. Agora é possível questionar ao Cunha a origem dos recursos naquelas contas Suíças, uma vez que temos essa informação. E negar não é mais simples, pois existem provas da existência do dinheiro. O resultado disso, como vimos, é uma onda de investigações conclusivas sobre corrupção passando por todos os países. Isso significa que hoje estão roubando mais do que no passado, ou que antigamente não havia corrupção? Claro que não. Porém, é mais fácil essas informações localizarem o desvio novo do que o antigo. Isso vai acabar de vez com a corrupção? Igualmente não. Assim como os vírus, cada nova forma de prender criminosos resulta no extermínio de uma parte da população e na sobrevivência de um grupo resistente que se adaptou a estas medidas, seguida pelo desenvolvimento de novas medidas. Ainda assim, vivemos hoje o que provavelmente será, para muitos países, o fim de uma era, com o término de um ciclo de corrupção. Em muitos países, ao fim deste processo, teremos opiniões muito diferentes sobre nossos sistemas políticos. Certamente haverá, por um tempo, menos corrupção, pois será difícil passar impune. Infelizmente, por um tempo, enquanto adaptam-se e descobrem novas formas de passarem desapercebidos do sistema. E, pelo conceito de que a moda sempre se recicla, não estranharia nada se daqui a alguns anos subitamente descobrirmos que 90% dos nossos políticos investem em redes de lavanderias...

OBS: Estou usando um teclado US/International, no qual escrever Suíça exige digitar quatro teclas para fazer "íç". Quase desisti de completar este texto duas vezes por causa disso hehe

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Onishiroi Shonin